30.6.07

Anedotas Literárias - Oscar Wilde

"Surely you remember knowing me in Manchester?" said a man whom Wilde had failed to recognize. "Very possibly in Manchester I may know you again" was Wilde's reply. And when he accidentally cut out an old acquaintance, his apology was, "I'm sorry I didn't recognize you - I've changed a lot."

In H. Montgomery Hyde, Oscar Wilde - A Biography

Anedotas Literárias - Raul Brandão

"Foi nessa visita mais demorada ao amigo [Teixeira de Pascoaes], segundo ainda testemunho da irmã do poeta, que Raul Brandão iniciou a sua carreira de "pintor de Domingo": «Uma das vezes que ele veio a Pascoaes, estava doente e neurasténico. Tinham-no proibido de trabalhar por algum tempo; minha irmã, que era pintora, meteu-lhe uma paleta nas mãos e disse-lhe: "O Raul vai hoje pintar comigo e vamos começar por uma vista do Marão." - "Mas que ideia! Eu nunca pintei, nunca peguei num pincel." - "Vai começar hoje. Quem pinta com a caneta, pinta com o pincel." Quando estavam os dois debaixo debaixo da ramada passou o jardineiro e, muito espantado de ver o Raul Brandão pintar, exclama: "Eu pensei que o senhor era só escrivão, afinal também é trolha, como a Senhora D. Miquelina".»

In Guilherme de Castilho, Vida e Obra de Raul Brandão

José Mário Branco, FMI,

Só Aqui

25.6.07

A "democracia" à maneira liberal # 3

João P. Coutinho, relações públicas e intelectual-modelo do Kapintern disse esta semana no semanário Pravda, perdão Expresso, que “existe no princípio hereditário uma vantagem sobre os regimes republicanos: quem não depende da vontade popular, pode pensar por cabeça própria”, ilustrando assim, com gracioso angelismo, aquilo que os seus chefes entendem por democracia: um sistema político no qual o povo, isto é, a maioria, deve decidir o menos possível, deve interferir o menos possível nos despachos políticos e económicos que afectam a sua vida.
Alegadamente, no razoar destes defensores do status quo, o espaço político deve ser monopolizado pelas elites económicas e seus representantes porque o povo, naturalmente inferior, carece de capacidade intelectual para compreender os seus verdadeiros interesses; é como uma criança, o povo, à qual seria inútil (e até cruel) solicitar a participação em decisões “técnicas” tão complexas como as que determinam a economia do mundo moderno. Tem lá cabeça para tais subtilezas, o povo. Não tem nem nunca terá, dizem os guardiães da verdade, fundando nessa crença estratégica (e oh tão conveniente) a inevitabilidade de uma sociedade de castas.

Mas essa doutrina da fatal menoridade racional do povo (puro feixe de emoções desgovernadas, como nos explicam todos os maquiaveles) é tão científica como a que durante milénios “legitimou” a submissão política das mulheres, dos servos, dos escravos, dos primitivos, dos colonizados. Aquilo, enfim, a que outro guarda-portão chamava o fardo ai do homem branco.
Na verdade, o que essa teoria esconde é o receio, por parte da oligarquia económica, de que se o povo for chamado a decidir na coisa pública tenda a fazê-lo, egoisticamente, em função dos seus próprios interesses, em vez dos interesses (superiores, naturalmente) da dita oligarquia. O que seria muito de lamentar.
Democracia sim, portanto, mas só de quatro em quatro anos, e com o leque de opções reduzido ao Mesmo. Liberdade sim, mas só a de assentir ou, vá lá, a de se queixar (mas baixinho). Doutro modo, como muito bem sugere o amestrado Coutinho, antes devolver todo o poder a uma só cabecinha, à boa maneira do absolutismo monárquico ou estalinista. Tudo menos consentir que a “vontade popular” influencie as decisões que interessam à minoria.

E se algo orienta, enfim, a faina filodóxica destes ideólogos é a certeza de que sem príncipe não há Maquiavel, sem Estaline não há datchas nem medalhas pró Jdanov do momento, sem bons serviços lá se vão os bons almoços. Ao defenderem o governo dos poucos sobre os muitos, os Coutinhos limitam-se a defender as suas coutadas; e com tão minguada arte (pois são bem menos cultos e inteligentes do que julgam) que um espirro bastaria para derrubar o minarete de papelão conceptual donde clamam ao rebanho.
Mas essa eventualidade, claro, não os preocupa, pois sabem que numa democracia deficitária como a nossa o Púlpito faz a Opinião, a repetição faz a verdade, e a credibilidade de uma teoria nunca depende da sua adequação aos factos, mas apenas da adequação ao interesse de quem a paga, ou seja, os donos do Púlpito.

23.6.07

21.6.07

MAIS UM ATAQUE TERRORISTA IMPEDIDO IN EXTREMIS



Forças de Segurança imobilizam terrorista num subúrbio americano.

20.6.07

Teaser

Encontrei a referência numa caixa de comentários. O livro intitula-se "Confissões de um Mercenário Económico", o autor chama-se John Perkins e a sinopse da obra, no site do editor (Pergaminho) não podia ser mais tentadora:


"Os fãs de John Grisham ou John Le Carré estão bem familiarizados com a figura do mercenário, um assassino a soldo de um governo ou organização criminosa e que tem por missão «apagar» figuras políticas ou ideologicamente incómodas. Mas poucos terão ouvido falar de um mercenário económico. Porque, ao contrário dos assassinos contratados saídos das páginas de thrillers, os mercenários económicos são reais – e mantidos no mais completo sigilo. São profissionais altamente treinados – formados nas melhores escolas de Gestão e Economia e recrutados das principais empresas de consultoria – que trabalham para a CIA ou para multinacionais, influenciando ou ameaçando governos de países em vias de desenvolvimento para favorecer a política económica dos EUA e atribuir lucrativos contratos governamentais a empresas americanas. John Perkins sabe tudo acerca deles porque foi um deles – durante mais de uma década. A sua missão consistia em levar os governos de países em vias de desenvolvimento a pedir empréstimos ao Banco Mundial ou ao FMI – empréstimos que não podiam pagar – para desenvolver infra-estruturas essenciais. Esse dinheiro era posteriormente investido em contratos com empresas americanas e os empréstimos tinham de ser pagos pelos contribuintes do país devedor. Quando o país não conseguia pagar o empréstimo, ficava à mercê das regulamentações do Banco Mundial – e dos seus agentes americanos. Esta era, segundo Perkins, uma maneira de os EUA expandirem o seu «império» e enriquecer à custa de países do Terceiro Mundo."

19.6.07

Raoul Vaneigem

"O indivíduo sempre esteve ao serviço da comunidade, é tempo de a comunidade se colocar ao serviço do indivíduo. É tempo de substituir a cegueira gregária pela consciência individual. A recusa de uma sociedade mercantil implica a criação de uma sociedade que exalte a vida"
[...]
É tempo de inverter as prioridades e de dispensar ao ensino, às energias alternativas, á agricultura natural, à saúde, aos serviços públicos, os meios financeiros até então destinados à proliferação da inutilidade burocrática, aos danos das indústrias agro-alimentares e petroquímicas, à inflação cibernética, ao saque mafioso da água, do ar, da electricidade, do alojamento, dos fundos de pensões, ao gigantesco parasitismo que representa a especulação bolsista."

Pela Abolição da Sociedade Mercantil

O terrorismo "bom"

"Como se chegou a esta fúria económica que entrega todo o planeta à avidez financeira, não tolera nenhuma manifestação de vida excepto se valer a pena sacrificá-la no altar do lucro e que põe a saque os recursos humanos, animais, vegetais e minerais, com uma raiva de lucro que é a própria essência do niilismo e do terrorismo?"
[...]
"Obedecendo à lógica do capital, ainda há bem pouco tempo os patrões consagravam parte dos seus lucros a pagar os salários dos trabalhadores, a modernizar o equipamento técnico ou a construir novas fábricas. Por muito egoisticamente que fossem acumuladas, as suas riquezas acabavam por fornecer, de uma forma ou outra, com que alimentar o bem público com as suas migalhas, enquanto as lutas sociais arrancavam aumento salariais à avidez patronal, que os recuperava, por outra via, na moega do consumismo.
O dinamismo lucrativo do capitalismo de empresa cedeu lugar à preeminência das especulações bolsistas onde o dinheiro opera em circuito fechado. Gigantescas empresas, cujo carácter internacional alcançou uma eficácia nunca atingida pelas internacionais de operários, ou que assim se pretendiam, estão-se bem nas tintas para a construção de fábricas ou para a criação de empregos. Fabricam accionistas, investem cada vez menos na produção de bens úteis à colectividade, desmantelam os serviços públicos, vendem a educação ao desbarato, sabotam os tranposrtes públicos, negligenciam o alojamento, desvalorizam a prestação de cuidados de saúde. Sem se preocuparem com o longo prazo, encaixam um lucro imediato a partir do caos social provocado pela pauperização, pelo desemprego, pela precariedade da sobrevivência e por essa ânsia de obter dinheiro a todo o custo, que apodrece o pensamento e os costumes de alto a baixo da miserável escala social."

Raoul Vaneigem, Pela Abolição da Sociedade Mercantil, Por uma Sociedade que Exalte a Vida, Teorema.
Tradução de Carlos Correia Monteiro de Oliveira

Anarco-Ícones # 6

18.6.07

O GENERAL DELLA ROVERE – ROBERTO ROSSELLINI (1959)




Em tempo de guerra não se limpam consciências.
Era um homem do momento, mercenário contratado
pelo vício que tinha de saltar fronteiras. Vivia,
como um rato, de tratados incisivos, de rápidas razias
no celeiro da moral. Espécie de gaivota na peugada
de um pesqueiro, traficava em esperanças.
Mas em tempo de guerra tudo se acelera: do trágico
ao burlesco vai o peso de uma bala, pouco mais.
Molière aplaudiria, certamente, o enredo desta farsa
O Herói à Força – onde as lágrimas, no fim
ascendem não do ventre mas do plexo das ideias.

Foxing Stupid

14.6.07

Descobertas

"O meu estado de espírito também era outonal. Talvez porque, ao tornar-me operário, começasse a ver a nossa vida urbana apenas do seu lado avesso, fazia todos os dias descobertas que me levavam ao verdadeiro desespero. Aqueles meus concidadãos de quem antes não tinha qualquer opinião, ou que, pela aparência, me pareciam até bastante decentes, agora revelavam-se-me como gente baixa, cruel, capaz de qualquer vileza. A nós, gente simples, enganavam-nos, pagavam-nos abaixo de toda a justiça, obrigavam-nos a esperar horas a fio nos átrios gelados ou nas cozinhas, insultavam-nos, tratavam-nos com a maior das grosserias. Neste Outono andei a colar papel de parede na sala de leitura do nosso clube e em mais duas salas; pagaram-me sete copeques por tira mas queriam que eu assinasse que tinham sido doze e, quando me recusei a fazê-lo, um senhor de óculos de ouro e ar decoroso, por certo um dos decanos do clube, disse-me:
- Se ainda por cima refilas, esmurro-te o focinho, canalha.
Quando o lacaio lhe sussurrou que eu era filho do arquitecto Póloznev, ficou confuso, corou, mas logo recuperou ânimo e disse:
- Que se amole!"

Tchekov, Contos (Vol.5)
Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra

T'ao T'sien

REGRESSO À VIDA CAMPESTRE


Jovem, sem pendor para o trato do mundo,
por temperamento amava as montanhas.
Caí por descuido nas malhas do século
e nelas retido fiquei longos anos.

A ave cativa recorda o seu bosque;
os peixes na presa, o rio natal.
Lavrando uma gleba nas matas do Sul,
camponês permaneço e à terra regresso.

Três jeiras de solo, é tudo o que tenho;
à sombra dos olmos e dos salgueiros,
de tábuas e colmo se faz uma casa.
Diante da sala - um pessegueiro.

Esfumam-se ao longe as aldeias dos homens,
e sobre os telhados as lentas fumaças.
Cantam os galos nas amoreiras
e ladram os cães no fim das vielas.

Não me perturbam grosseiros tumultos
nem guerras alheias, pertencem-me as horas.
Tempo demais vivi prisioneiro,
eis-me por fim devolvido a mim mesmo.


Versão de José Miguel Silva,
a partir da tradução francesa de Paul Demiéville
.

13.6.07

Ben Shahn




"Death of a Miner",1940

Como?

"Não gosto de gente que dispõe sobre a vida dos outros."
Pedro Mexia (sobre o suposto modelo de gestão autárquica "esquerdista que impõe mercearias e hortas aos cidadãos")

Ainda gostava que o P. Mexia me explicasse como é que se faz política sem dispôr sobre a vida dos outros. Enquanto não existir um sistema político em que todos decidam acerca de tudo, um representante político é eleito - hélas - para decidir por nós. E tanto o faz quando promove, por exemplo, uma cidade de "mercearias e hortas", como quando promove uma cidade de "automóveis, serviços e parques de estacionamento". Portanto, ou o P. Mexia é um anarquista que se desconhece, ou pura e simplesmente não sabe o que diz. Em qualquer dos casos, não lhe faria mal frequentar um curso acelerado de filosofia política, a fim de esclarecer melhor para si mesmo aquilo em que pretende acreditar.

12.6.07

Jovens Escudos Humanos em Israel

Liberdade de Imprensa em Israel

Not So Cool Facts About Israel

Encontrado via Frenesi

A Pátria que os Pariu

"Já nasceram 270 bebés portugueses em Badajoz depois de fecho de sala partos", Público, 12/6/07

Dificilmente se pode amar e respeitar uma pátria que nos obriga a viver (pois voltámos aos velhos tempos da emigração), e agora até a nascer, fora dela. Assim, Portugal, com a sua forma de caixão, é cada vez mais "um bom sítio para morrer" como dizia Cesariny. E isto enquanto não se lembrarem de instituir uma taxa moderadora para acesso aos cemitérios.

11.6.07

Richard Rorty (4/10/1931 - 8/6/07)

"Na minha utopia, a solidariedade humana seria vista não como um facto que haveria apenas que reconhecer uma vez removidos os "preconceitos" ou alcançadas profundezas até então ocultas, mas sim como um objectivo a atingir. Um objectivo a atingir não pela investigação, mas sim pela imaginação, pela capacidade imaginativa de ver em pessoas estranhas companheiros de sofrimento. A solidariedade não é descoberta pela reflexão, mas sim criada. É criada com o aumento da nossa sensibilidade aos pormenores específicos da dor e da humilhação de outros tipos, não familiares, de pessoas. Uma sensibilidade assim aumentada torna mais difícil marginalizar pessoas diferentes de nós por se pensar que “eles não sentem da mesma maneira que nós sentimos” ou que “terá sempre de haver sofrimento e, assim sendo, porque não havemos de os deixar a eles sofrer?”
Este processo de se chegar a conseguir ver outros seres humanos como sendo “um de nós” e não como “eles” é um a questão de descrever pormenorizadamente como são as pessoas que não nos são familiares e de nos redescrevermos a nós próprios. Trata-se de uma missão não da teoria, mas sim de géneros tais como a etnografia, o texto jornalístico, a banda desenhada, o docudrama e, especialmente, o romance. Obras de ficção como as de Dickens, de Olive Schreiner ou de Richrad Wright oferecem-nos pormenores sobre tipos de sofrimento suportados por pessoas em que anteriormente não tínhamos reparado. Obras de ficção como as de Choderlos de Laclos, de Henry James ou de Nabokov oferecem-nos pormenores sobre os tipos de crueldade de que nós próprios somos capazes e, desse modo, fazem-nos redescrever-nos a nós próprios."

In Contingência, Ironia e Solidariedade, Tradução de Nuno Ferreira da Fonseca

Get a Life

10.6.07

Presque Tout



Laurent Hernandez

6.6.07

Pobres e mal agradecidos, se calhar queriam que a Pfizer testasse o medicamento em crianças americanas...

"O maior dos estados nigerianos, o de Kano, no Norte do país, com uma população predominantemente muçulmana, processou esta semana a multinacional farmacêutica norte-americana Pfizer, à qual pede 7000 milhões de dólares de indemnização (5200 milhões de euros) por ter utilizado 200 crianças como cobaias para um teste que levou a 11 mortes e a muitas deformações. As autoridades daquele estado de quase seis milhões de habitantes, essencialmente das etnias hausa e fula, acusam a Pfizer de em 1996 ter utilizado secretamente crianças africanas para experimentar o medicamento Trovan Floaxin, como se de um gesto humanitário se tratasse.
Foi em Abril daquele ano que a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Pfizer se ofereceram para ajudar a combater uma epidemia de sarampo, cólera e meningite que vitimou mais de 3000 pessoas. A empresa nega ter administrado trovafloxacina sem autorização, a perto de 200 crianças com meningite, inflamação das membranas que envolvem o cérebro e a espinal medula. Para além das 11 crianças que não resistiram, 181 desenvolveram surdez, paralisia, danos cerebrais e cegueira, tendo o escândalo levado a população do velho emirado do Kano, ocupado em 1903 pelo Reino Unido, a rejeitar quaisquer vacinas, incluindo para a poliomielite.
Resposta da Pfizer
Um tribunal federal de Manhattan, nos Estados Unidos, já rejeitou em 2001 um processo intentado contra a Pfizer por nigerianos que declaravam ter participado no estudo, mas estes não desistiram. E foram agora as autoridades estaduais a argumentar que o caso provocou a desconfiança de uma boa parte da opinião pública contra os programas de saúde."
Público, 6 Junho 07

Apartheid - Israel Do It Better

"5,5% por ano, é o crescimento dos colonatos na Cisjordânia, ou seja, "três vezes mais o crescimento natural do Estado judaico", diz o gabinete de coordenação da ONU para os assuntos humanitários. Quarenta anos depois da Guerra dos Seis Dias, à humilhação dos árabes juntam-se agora previsões ainda mais sombrias para os palestinianos. O seu presidente, Mahmoud Abbas, reconhece que eles estão "à beira de uma guerra civil", enquanto duas organizações internacionais alertam que a criação de um Estado independente, viável e contíguo, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, é cada vez mais uma ficção. "
[...]
Os confrontos [entre elementos da Fatah e do Hamas]quase ofuscaram manifestações evocativas do aniversário da guerra de 1967, como a montagem, por parte de pacifistas israelitas, de um simbólico checkpoint em Telavive, como denúncia das humilhações impostas aos palestinianos nos mais de 500 postos de controlo erguidos pelos militares na Cisjordânia.
No seu discurso televisivo, em vésperas de um encontro com o primeiro-ministro israelita, Ehud Olmert, Abbas tentou ontem mostrar-se confiante. "Desde essa data negra [1967], o nosso povo e nação pagam um preço elevado por uma grande derrota. [...] Apesar de todas as dificuldades, caminhamos para a independência, um objectivo que está cada vez mais próximo."
Não é um optimismo partilhado pelo gabinete de coordenação das Nações Unidas para os assuntos humanitários nem pela Amnistia Internacional. Escreveu a agência da ONU num relatório citado pelo diário francês Le Monde: "Dos 5600 quilómetros quadrados da Cisjordânia, os palestinianos não têm acesso a 45,47 por cento, que estão ocupados por colonos e pelo exército ou foram declarados zonas de reservas naturais". A inversão desta tendência "é ilusória", salienta o Monde. A criação de um Estado palestiniano é cada vez mais "uma quimera".
Para Amnistia Internacional, cujo relatório foi considerado "imparcial e imoral por Israel", nunca o nível de "desespero, pobreza e insegurança" foi tão grande nos territórios palestinianos. "As restrições impostas são desproporcionadas e discriminatórias. São impostas aos palestinianos porque eles são palestinianos, para único benefício dos colonos cuja presença na Cisjordânia é ilegal", sublinha a organização de direitos humanos com sede em Londres."
Público, 6 Junho 07

5.6.07

Lapidário # 5

"It is the logic of our times,
No subject for immortal verse -
That we who lived by honest dreams
Defend the bad against the worse."

Cecil Day Lewis

Zbigniew Herbert

VOZ INTERIOR


A minha voz interior
nunca me dá conselhos
nem faz advertências

não diz que sim
nem que não

mal consigo ouvir
o que mal pronuncia

e mesmo se me inclino para ela
apenas ouço sílabas
despidas de sentido

presto-lhe toda a atenção
trato-a com a maior deferência

finjo considerá-la meu semelhante
e que é de grande importância o que tem para me dizer

às vezes chego mesmo
a tentar manter com ela uma conversa
- sabes ontem recusei
nunca tinha feito semelhante
e também não seria agora

- glu - glu

- achas então
que fiz bem

- ga - go - gu
- ainda bem que concordas

- ma - a

- descansa agora um pouco
amanhã voltamos a falar

não me serve para nada
podia esquecer-me que existe

não tenho esperança
apenas remorsos
quando a vejo ali deitada
cheia de compaixão
respira com dificuldade
abre a boca
e tenta erguer um pouco
a sua inerte cabeça

Versão de José Miguel Silva
(a partir da tradução inglesa de C. Milosz e Peter D. Scott)

4.6.07

As bandeiras, ao contrário das pessoas, foram feitas para ser pisadas.

"Os dois portugueses detidos na Letónia desde 16 de Maio por alegadamente terem profanado a bandeira nacional letã já foram libertados, confirmou o secretário de Estado das Comunidades. De acordo com António Braga, os dois jovens saíram "sob fiança e vão aguardar julgamento na Letónia, que deverá ter lugar brevemente"."
Público, 4/06/07

Mas desde quando é que uma bandeira nacional é uma coisa "sagrada" e como tal passível de "profanação"? Se a acusação fosse de vandalização de património público (uma vez que a bandeira, ao que parece, estava hasteada num edifício qualquer), nada a objectar. Agora, profanação? Daqui a pouco, já só as pessoas é que podem ser pisadas ...

"Há coisas que têm que ser ditas, e não sou eu quem as diz"

São os magníficos Ladrões de Bicicletas

"Ha-Joon Chang (n.1963) é um economista de combate de origem sul-coreana que é hoje professor na Universidade de Cambridge. É um dos mais relevantes economistas políticos do desenvolvimento da actualidade. Na sua já vasta obra tem procurado mostrar através de rigorosas análises históricas que as chaves para o desenvolvimento económico dos países não estão no célebre, mas fracassado, «Consenso de Washington». Este «Consenso de Washington» feito de desregulamentação, de definição estrita de direitos propriedade privados sobre tudo, de liberalização de todos os fluxos de capitais e de mercadorias resultou, sempre que foi aplicado em toda a sua extensão, em catástrofe económica e social.

Chang foi um dos economistas que contribuiu para desfazer o mito de que «o milagre asiático» teria assentado nas políticas neoliberais que o consenso teria apenas sistematizado. Através de uma análise histórica e institucional detalhada, focada no caso da Coreia do Sul, mostrou que o seu «modelo» assentou num importante envolvimento do Estado na afectação de recursos, o que na literatura aparece associado à noção de «Estado desenvolvimentista». O governo favoreceu deliberadamente o desenvolvimento de grandes conglomerados industriais (conhecidos na Coreia por chaebol e que acabaram por dominar os mercados interno e de exportação)através de uma política industrial vigorosa cujo objectivo básico era modificar a matriz dos preços e dos incentivos que as empresas enfrentavam na direcção preferida pelo governo que para eles canalizava os elevados investimentos públicos realizados em investigação tecnológica aplicada. A aposta central era a inserção estratégica destes grupos na economia mundial o que se traduziu na implementação selectiva de controlos sobre determinadas importações para proteger sectores industriais emergentes (proteccionismo selectivo). Esta inserção na economia mundial não envolveu durante muito tempo o sistema financeiro que estava submetido a um apertado controlo por parte do governo, sobretudo no que dizia respeito às operações financeiras com o exterior e que era alicerçado numa participação activa do Estado na concessão de crédito através de bancos públicos. Este foi o modelo que esteve e ainda está na base do «milagre asiático». Violou e ainda hoje viola quase todas as prescrições neoliberais.

Num dos seus livros mais recentes e mais celebrados, Kicking Away the Ladder (Derrubando as Escadas do Desenvolvimento), Chang alargou a sua análise e defendeu convincentemente que «quando os países desenvolvidos, como a Grã-Bretanha e os EUA, ainda estavam em desenvolvimento, não implementaram nenhuma das políticas de livre comércio que agora preconizam. O seu avanço tecnológico foi garantido por políticas protecionistas». Ha-Joon Chang é assim um crítico impiedoso da hipócrita ideia de que existe uma trajectória única de desenvolvimento assente num conjunto de instituições prescritas pelas instituições internacionais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional ou a Organização Mundial do Comércio. Controladas pelos países mais ricos, estas organizações pretendem impor aos países menos desenvolvidos soluções que os seus governos fazem bem em evitar. Soluções que reduzem a sua margem de manobra para forjar políticas públicas de desenvolvimento."

Anarco-Ícones # 5

Galeria de Fantasmas # 2

Jeanette Bernard, 1900