14.6.07

Descobertas

"O meu estado de espírito também era outonal. Talvez porque, ao tornar-me operário, começasse a ver a nossa vida urbana apenas do seu lado avesso, fazia todos os dias descobertas que me levavam ao verdadeiro desespero. Aqueles meus concidadãos de quem antes não tinha qualquer opinião, ou que, pela aparência, me pareciam até bastante decentes, agora revelavam-se-me como gente baixa, cruel, capaz de qualquer vileza. A nós, gente simples, enganavam-nos, pagavam-nos abaixo de toda a justiça, obrigavam-nos a esperar horas a fio nos átrios gelados ou nas cozinhas, insultavam-nos, tratavam-nos com a maior das grosserias. Neste Outono andei a colar papel de parede na sala de leitura do nosso clube e em mais duas salas; pagaram-me sete copeques por tira mas queriam que eu assinasse que tinham sido doze e, quando me recusei a fazê-lo, um senhor de óculos de ouro e ar decoroso, por certo um dos decanos do clube, disse-me:
- Se ainda por cima refilas, esmurro-te o focinho, canalha.
Quando o lacaio lhe sussurrou que eu era filho do arquitecto Póloznev, ficou confuso, corou, mas logo recuperou ânimo e disse:
- Que se amole!"

Tchekov, Contos (Vol.5)
Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra

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