João P. Coutinho, relações públicas e intelectual-modelo do Kapintern disse esta semana no semanário Pravda, perdão Expresso, que “existe no princípio hereditário uma vantagem sobre os regimes republicanos: quem não depende da vontade popular, pode pensar por cabeça própria”, ilustrando assim, com gracioso angelismo, aquilo que os seus chefes entendem por democracia: um sistema político no qual o povo, isto é, a maioria, deve decidir o menos possível, deve interferir o menos possível nos despachos políticos e económicos que afectam a sua vida.
Alegadamente, no razoar destes defensores do status quo, o espaço político deve ser monopolizado pelas elites económicas e seus representantes porque o povo, naturalmente inferior, carece de capacidade intelectual para compreender os seus verdadeiros interesses; é como uma criança, o povo, à qual seria inútil (e até cruel) solicitar a participação em decisões “técnicas” tão complexas como as que determinam a economia do mundo moderno. Tem lá cabeça para tais subtilezas, o povo. Não tem nem nunca terá, dizem os guardiães da verdade, fundando nessa crença estratégica (e oh tão conveniente) a inevitabilidade de uma sociedade de castas.
Mas essa doutrina da fatal menoridade racional do povo (puro feixe de emoções desgovernadas, como nos explicam todos os maquiaveles) é tão científica como a que durante milénios “legitimou” a submissão política das mulheres, dos servos, dos escravos, dos primitivos, dos colonizados. Aquilo, enfim, a que outro guarda-portão chamava o fardo ai do homem branco.
Na verdade, o que essa teoria esconde é o receio, por parte da oligarquia económica, de que se o povo for chamado a decidir na coisa pública tenda a fazê-lo, egoisticamente, em função dos seus próprios interesses, em vez dos interesses (superiores, naturalmente) da dita oligarquia. O que seria muito de lamentar.
Democracia sim, portanto, mas só de quatro em quatro anos, e com o leque de opções reduzido ao Mesmo. Liberdade sim, mas só a de assentir ou, vá lá, a de se queixar (mas baixinho). Doutro modo, como muito bem sugere o amestrado Coutinho, antes devolver todo o poder a uma só cabecinha, à boa maneira do absolutismo monárquico ou estalinista. Tudo menos consentir que a “vontade popular” influencie as decisões que interessam à minoria.
E se algo orienta, enfim, a faina filodóxica destes ideólogos é a certeza de que sem príncipe não há Maquiavel, sem Estaline não há datchas nem medalhas pró Jdanov do momento, sem bons serviços lá se vão os bons almoços. Ao defenderem o governo dos poucos sobre os muitos, os Coutinhos limitam-se a defender as suas coutadas; e com tão minguada arte (pois são bem menos cultos e inteligentes do que julgam) que um espirro bastaria para derrubar o minarete de papelão conceptual donde clamam ao rebanho.
Mas essa eventualidade, claro, não os preocupa, pois sabem que numa democracia deficitária como a nossa o Púlpito faz a Opinião, a repetição faz a verdade, e a credibilidade de uma teoria nunca depende da sua adequação aos factos, mas apenas da adequação ao interesse de quem a paga, ou seja, os donos do Púlpito.
25.6.07
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8 comentários:
miguel,
se queres mesmo perder o teu tempo sabe que ele cada 2 semanas sai-se com uma linda assim. e nunca lhe tinha visto ningem tecer um so comentario, é impressionante.
boa gaijo, bem dado.
abraço,
joão
'Tudo que eu disser três vezes é verdade' - era mais ou menos assim, não era?
Olá João. A cada duas semanas? Pensei que fosse semanalmente...Abraço.
António Davage, a citação não me é estranha. Mas de repente não a estou a situar. Deixe-me atirar um pouco ao calhas: "Alice no País das Maravilhas". Acertei?
Como não?
António
... mas do outro lado.
antónio
...mais para os lados de
The Hunting of the Snark
O JPC é um pândego...
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