3.1.08

O Triunfo dos Poucos

Uma mulher morre num corredor de hospital, quatro horas depois de lá ter entrado, sem ter experimentado a felicidade de saber de que morria, pois não chegou a ser vista por médico nenhum. Urgências sobrecarregadas, alega a direcção do hospital; a que não será alheio o furioso processo de encerramento de blocos de urgência, acrescenta a Ordem dos Médicos.

Enquanto os portugueses não perceberam que a democracia foi sequestrada por esta récua de inimigos públicos que há trinta anos nos governa, nada vai mudar. O partido único (mas dividido em duas alas, para melhor simulação) no poder desde o 25 de Abril já não sente a necessidade de fingir sermos nós, povo, o seu eleitorado, uma vez que não é o o zé-comum quem lhes financia a campanha eleitoral e respectiva eleição.

Coadjuvados pela perpétua chusma de funcionários intelectuais, tão necessária, em democracia, para o controle da opinião pública, os verdadeiros dirigentes do país sabem organizar-se de modo a garantir os preciosos ofícios dos seus políticos. Quanto a estes, não passam de actores num espectáculo de marionetas cuja produção há muito não controlam. Transitam do estado para as empresas e das empresas para o estado, negociando invariavelmente contra o interesse público (isto é, geral) e em favor de interesses particulares (a começar pelos seus, claro).
No meio de todo este circo patético, a única coisa que não se percebe é por que é que ainda fingem eleições, com a mentira do sufrágio popular e a imagem do povo como fonte do poder. Mais valia elegerem os deputados nos conselhos de administração das 100 maiores empresas – ficava-nos mais barato.

Quanto à senhora que morreu, não tinha qualquer vínculo familiar com o ministro da saúde ou com qualquer outro ministro, deste ou de anteriores governos desde a fundação da nacionalidade. Era apenas mais um dos parvos que ainda pensam que os políticos são eleitos por nós e para governar em função do bem comum. Uma ilusão, essa, que só os mais ingénuos conseguem ainda sustentar. Em países onde o processo de sequestro da democracia pelos detentores do poder económico está mais avançado (como é o caso dos EUA), metade dos eleitores já nem se dá ao trabalho de ir votar. De facto, se a única escolha possível é entre duas alas de um mesmo partido, é indiferente o nome do vencedor.

Termino com um dos meus votos para o corrente ano: que o ministro da saúde seja acometido por um badagaio doloroso e generalizado, que o leve a quatro horas de internamento num corredor de hospital, seguido de óbito e respectiva purificação política.

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