Um meu projecto antigo para este blogue era a publicação de fotos de casas portuguesas tradicionais, que a proverbial estupidez lusitana tem vindo a demolir de forma acelerada nos últimos trinta anos. Em nenhum país do mundo se destrói tanta beleza por segundo, pois em nenhum país do mundo existe tanta beleza arquitectónica por metro quadrado. Não falo, evidentemente, de arquitectura monumental, como igrejas ou palácios, pois nesse aspecto qualquer vilória italiana tem mais para mostrar do que Portugal inteiro; falo antes de pequenas ou médias casas de habitação, invariavelmente construídas com materiais da região onde estão inseridas, e com um sentido das proporções e do enquadramento paisagístico que a boçal arquitectura moderna despreza ou ignora quase por completo. Não sei como pôde tal milagre acontecer, mas no panorama da cultura portuguesa é para mim evidente que a principal manifestação de um génio autóctone, se existe, é na arquitectura tradicional que o podemos encontrar. O que seria, digamos, a literatura portuguesa sem a influência latina, provençal, italiana, castelhana, francesa ou inglesa? Algo de inconcebível. E o mesmo em relação a todas as outras artes, incluindo a arquitectura monumental (Alcobaça, por exemplo, por esplêndido que seja, é só uma das centenas de catedrais góticas espalhadas pela Europa). Mas uma casa agrícola minhota ou beirã, um “monte” alentejano, uma casa burguesa do Porto antigo, são verdadeiros prodígios, não só de equilíbrio formal, como de adaptação às condições locais. Pequenos poemas em pedra, às vezes. E ninguém no seu perfeito sentido estético poderá dizer que os equivalentes espanhóis, italianos, alemães ou chineses deste tipo de estrutura sejam melhor concebidos.
E, como não podia deixar de ser (pois para alguma coisa somos portugueses), é precisamente o melhor da cultura nacional que a ignorância e a incúria do Estado e dos particulares tem vindo a destruir com tenaz e paciente sanha. Arrasam-se casas levantadas com gosto e com técnicas de construção que levaram séculos a apurar, para no seu lugar construir pardieiros de luxo, cuja visão nos gela o sangue. A desertificação do interior é em parte responsável por esse abandono, mas como justificar que até nas colmeias urbanas isso aconteça? Estupidez pura.
O projecto de fotografar casas antigas passava pois pela intenção de um requiem ao que de mais autêntico criaram os portugueses, em oitocentos e cinquenta anos de pobreza. Por diversos motivos, nunca cheguei a iniciá-lo, embora more num dos distritos onde mais abunda a bela arquitectura tradicional. Felizmente, há quem se tenha lembrado do mesmo, e blogues como este , este , este e este , além de prestarem um verdadeiro serviço público, acabam por ser um bálsamo para os olhos. Que se mantenham por muitos anos.
4.1.08
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