Cada vez é mais difícil manter a vista sã, quando até os bloggers anticapitalistas (am I wrong?)
não vêem incompatibilidade entre promover (no lado esquerdo) a participação política, a liberdade e a cidadania, e (no direito) o desagregante plano poupança-reforma de uma instituição bancária. Não há contradições, como diria a outra, e todos os discursos se equivalem no vazio das transacções verbais. Deve ser a isto que se chama uma esquerda "descomplexada" e "pós-moderna". Deve ser. Mas sendo assim, que faz o Daniel Oliveira fora do PS? E que faz (ou fazia) o blogue Arrastão na minha lista de recomendações? Poluição visual? Não, obrigado.
11.12.07
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
24 comentários:
Sabe que vi um dia publicidade da Coca-Cola na Festa do Avente?
Acha mal a publicidade em jornais de esquerda? E se não acha, porque acha mal em blogues?
A publicidade, acho-a mal em toda a parte. É um mal necessário? Às vezes. Se o Daniel me garantisse que sem os proventos da publicidade deixaria de ter condições materiais para blogar, eu aceitava. Mas não é esse o caso, pois não? A menos que o Daniel esteja a considerar a hipótese de começar a pagar aos leitores e comentadores do seu blogue, não percebo o que vem a publicidade aí fazer.
Foda-se, estava a ver que era o único. Essa moda da publicidade nos weblogs é, mais que irritante, detestável. Como se não bastasse já o spam, a publicidade nas caixas de correio, nos telemóveis, na TV, na rádio, nas ruas, no telefone. Qualquer dia até na testa traremos anúncios publicitários.
As perguntas do Daniel Oliveira são demagógicas. Na Festa do Avante já vi coisas bem piores do que publicidade à Coca-Cola. O Bernardino Soares, por exemplo. Se a intenção é equiparar o universo dos weblogs ao dos jornais, sejam eles pagos ou gratuitos, então é só aguardar pela acção das Entidades Reguladoras... Vou esperar sentado (até porque tenho tempo e nada mais útil para fazer) para ver e para me divertir com o jogo de anca desta gente.
Há várias formas deles se safarem de um cuidado e uma atenção especial para se manterem dentro das conformidades que guiam o comportamento exemplar. No fundo todos sabem que há medida que a rede de expressão dos blogues se alarga a um grupo cada vez mais interessante de pessoas também por aqui se vão fazer sentir as pressões do mundo real. O mundo real é essa operação de charme (cheia de contradições) que serve o mecanismo das vendas. O Daniel Oliveira é um tipo muito bem formado mas à medida que o seu nome se for afirmando vai-se tornar uma espécie de "brand" (ou marca, se preferirem) e terá um preço como todas as outras... Não vale a pena persegui-los, afinal é essa a invariável tendência do futuro que espera por nós lá à frente.
Por agora as críticas de um bom poeta português (publicado) ainda beliscam mas o Desmancha-Prazeres não tem aquele apelo e charme que convida as massas e com o acertar do passo este tipo de chamadas de atenção não vão merecer sequer a atenção dessa gente Coca-Cola.
De qualquer forma, ainda bem que foste tu quem lançou este post. Parece-me que é um dos temas mais interessantes a serem debatidos pelos analistas da bloga - mas acho que (infelizmente) não irá muito além disto.
Em relação ao comentário do Daniel só um reparo - é uma péssima linha de defesa essa de jogar a bola para o campo de quem comete os mesmos erros ou erros piores. Se somos capazes de reconhecer que uma coisa está mal devemos depois usar essa lição em relação a nós próprios. Isto é algo de primário e elementar. Por isso cuidado.
1: o blog Arrastão tem mais de 2000 visitantes e mais de 5000 pageviews por dia.
2: o blog Arrastão acarreta despesas (produção, manutenção, actualização, alojamento, tráfego, etc.)
3: o blog Arrastão presta, como qualquer outro blog, um serviço de comunicação e outras prestações sociais.
4: a AdSense paga por click/pageviews e, no caso do blog Arrastão, os rendimentos podem rondar os 80/100 contos (400/500 €) por mês, no mínimo, em função de variáveis de cálculo como o "rating".
5: se um blogger não colocar anúncios no seu blog, os visitantes não têm o incómodo de (não) os ver, mas o valor que esses anúncios poderiam render não existe e não aproveita a ninguém.
6: portanto, a quem (e por alminha de quem) aproveita a inexistência de anúncios num blog? E porque deveria o blogger do Arrastão deitar pela janela fora aquilo que resulta do seu trabalho e do seu investimento (em tempo e em numerário)?
A publicidade tornou-se de tal modo omnipresente e "natural" que já ninguém a contesta. Parece que somos os únicos, Henrique, a estranhar que até um blogue que faz da militância de esquerda a sua razão de ser tenha optado por incluir publicidade nas suas páginas. Só falta que comecem a introduzir publicidade no meio dos livros (pois até nos filmes e nas séries já isso é "normal" há muito); talvez na próxima edição de "Os Maias" possamos ler: "Enquanto esperava pelo seu Jack Daniels, sentado à mesa do Hard-Rock Café, Carlos da Maia sentiu que precisava de esclarecer tudo com Eduarda. Tirou do bolso o seu Samsung HLS-500 e marcou..."
Claro, jpg, é tudo normal, e o dinheiro, além de não ter cor, é sempre bem-vindo e quanto mais melhor. É a ética do capitalismo em toda a sua liquidez. Uma ética cujos mandamentos se resumem a isto: Não desperdiçarás receitas, venham elas de onde vierem.
Quanto à coerência intelectual, essa, como não tem preço nem está cotada em bolsa nenhuma, nada vale. Tudo certo, portanto.
O Arrastão passou a ser pago.
Essa é que é essa. Fazerem-me ver publicidade é fazerem-me pagar. Um jornal com publicidade não é um jornal "gratuito". São investidos centenas de biliões anualmente em publicidade - alguém acha que é investimento sem retorno?
Pior, a publicidade é doutrinária. Cria pulsões de consumismo e promove o capitalismo.
É hipócrita e contraditório escrever à esquerda na barra da esquerda e promover a direita na barra da direita.
O Daniel tinha centenas de alternativas para sustentar o seu site que não a publicidade. Escolheu o caminho capitalista.
Que o PCP tenha feito o mesmo com a Coca-Cola é suposto deixar alguém de esquerda mais descansado?
Caro JMS,
A seguir essa lógica e o "mandamento" que enuncia("desperdiçarás receitas", por exclusão de partes), então um comunista não deveria receber salário - mesmo ou principalmente como funcionário do PCP - e deveria distribuir todos os seus bens aos "pobrezinhos", por exemplo. Ou a recusar qualquer oferta, também por exemplo.
Pois, eu também "acho", mas não é por tal "achar" que esse "achamento" deixa de ser absurdo.
seja qual for o posicionamento ideológico (parece-me que o post esticou demasiado a exigência de coerência, pois não é líquido que o B.E. do qual julgo D.O. fazer parte condene a publicidade);
seja qual for a necessidade de retorno financeiro pelo tempo investido (cada um garante a sua subsistência como pode);
é para mim incontornável enquanto consumidor de informação que a publicidade, em blogues e fora deles, é definitivamente poluição visual.
josé quintas
JPG,
Repito: se o D. Oliveira não tivesse mais nehuma fonte de rendimentos, não seria eu a condená-lo por tentar ganhar a vida como blogger, pois não defendo que as pessoas devam morrer à fome, e todos sabemos que a coerência é apetitosa mas muito pouco nutritiva. A publicidade pode ser um mal necessário, mas não me parece que o DO tivesse NECESSIDADE de sujar o seu blogue em troca de 500 (ou 5 000) euros mensais, se já factura milhões como cronista e comentador televisivo. A não ser que a pessoa se oriente pelos mesmos princípios que regem qualquer predador capitalista, ou seja: o guito nunca é de mais. O espírito materialista e acumulador é o timbre da burguesia mais tacanha; e o facto de um homem de esquerda (cujas opiniões, de resto, amiúde coincidem com as minhas) não consiga resistir ao fácil apelo de MAIS uns cobres, mesmo que para isso obrigue os leitores do seu blogue a arrostar com o escarro de um anúncio aos ppr's do BES, dá que pensar.
JMS,
O que eu acho estranho é que não tivesses reparado antes que é assim. E que a esquerda (e eu sou de esquerda) é, tantas vezes, uma mera moda, sem grande profundidade. Para minha tristeza.
Rui
Temos de pensar que para os DOs e os JPJs que aquilo que perdem porque, segundo os seu(s) código(s), na verdade perdem, nem as galinhas o aproveitam. Isso está escarrapachado no ponto 5 dos mandamentos do JPG. Em particular, quanto ao DO, pelo que lia dele no tempo em que eu ia ao Blogue de Esquerda, não me espanta nem um bocadinho a publicidade no blogue. É no que dão. A sopinha na mesa. De pedra, claro: cada vez mais rica. E não tão grosseira como a da metáfora.
Rui,
não podemos acreditar que é tudo igual, que não há diferença entre esquerda e direita, mesmo quando a realidade nos desilude a esse respeito. Se aceitamos placidamente que a escolha possível seja entre o mesmo e o mesmo, mais vale irmos todos para Cuba ou para os EUA.
Esta situação arrastoniana só me surpreendeu porque eu acredito (quero acreditar?) que a esquerda BE não se confunde com a carunchosa esquerda PC ou o esquerda-direita-volver do Sócrates. Mas, lá está, talvez eu seja demasiado crédulo.
Caramba, JMS, não sei se é credulidade ou ingenuidade, mas já só falta ver escrito nesta caixa que a publicidade, em si mesma, é um valor de direita e quem se assume de esquerda não pode atrever-se a utilizá-la.
José Quintas,
em sentido lato, a publicidade é política, como tudo é político. A questão, porém, não é tanto discutir se a publicidade é de direita ou de esquerda, mas apenas qual a pertinência de contaminar com anúncios um espaço que se quer de análise e reflexão política. A mim parece-me incongruente ler na coluna da esquerda a condenação de um determinado modelo económico e social, e na da direita a defesa indirecta desse mesmo modelo, através de um anúncio a ppr's (pois não foi tanto a publicidade em si, mas a publicidade a um banco, o que me chocou no Arrastão). Para mim, a contradição é evidente: seria como se o site dos Bombeiros aceitasse publicar anúncios da Associação de Pirómanos Profissionais.
JMS, lamento, mas não consigo ver essa contradição. Acompanha-me p.f. neste exercício:
A meia dúzia de pessoas que detém realmente o poder financeiro e mediático neste país emborcava uns valentes ácidos e decidia deixar o Bloco de Esquerda ganhar as próximas legislativas. Alguém, para além de paranóicos de direita, acredita que o B.E. iria extinguir o sistema bancário tal como existe hoje? Não duvido que iria tentar refrear a ganância daqueles tubarões, mas até agora nunca ouvi ninguém dessa área, nem Daniel Oliveira, defender a extinção desse sistema.
Aliás, nem esse sistema permitiria a adopção de qualquer política antagónica, nem qualquer partido da esquerda não-leninista tem proposto, que eu saiba, nenhum sistema político-financeiro alternativo ao vigente. Apenas travões, pois as pedras que caíram daquele muro há 18 anos ainda pesam demasiado no pensamento da esquerda.
Daí que, voltando à origem do post, não vejo como colocar um anúncio de um banco possa colidir com a crítica do sistema capitalista por parte de alguém que, à falta de melhor termo, parece estar mais próximo do ideário social-democrata do início do séc. XX, do que da extrema-esquerda dos 70 que muitos ainda associam erradamente, creio eu, ao B.E.
José Quintas
ninguém é tão irrealista (nem sequer eu) que ache possível a destruição do sistema bancário actual. O capitalismo veio por muito tempo, quer queiramos ou não, e a única coisa que se pode fazer é contrariar os seus abusos. O mesmo vale para os bancos: é um negócio legítimo e necessário, se admitirmos (e como poderíamos nao o fazer?) a inevitabilidade do capitalismo. Mas admitir que os bancos são um mal necessário não implica que tenhamos que gostar deles, ou que lhes conceder o nosso apoio, tal como não nos impede de execrar a sua existência. Quem é que, podendo evitá-lo, se dispõe a fazer negócios com esse mal necessário? Só um estúpido ou um masoquista. Ora, se o DO podia não ter anúncios, para quê tê-los? É só isso que me deixa perplexo, mais nada.
Quanto ao resto, claro que o BE é o único partido socialista (ou social-democrata) que temos actualmente, e claro que nem o BE ousaria pôr mais do que uns pequenos travões na voracidade dos bancos. Em política é o realismo que impera (e ainda bem, pois as experiências políticas do sec. xx escaldaram-nos o suficiente) e nem o BE (ou sequer o PC) podem neste momento ser mais do que melhoristas. O que não significa que bloquistas e banqueiros não defendam interesses diferentes (para não dizer antagónicos)e que um bloquista não possa seleccionar as companhias ao lado de quem aparece. Isto se as ideias ainda significarem alguma coisa. Mas muitas vezes fica-se com a ideia de que, no parlamento, as diferenças políticas são meras etiquetas e que um deputado do PC tem mais em comum com um deputado do CDS do que com o cidadão que o o elegeu. Como se as convicções ideológicas fossem apenas uma película distintiva (para eles não se confundirem uns com os outros e saberem para que casa voltarem depois do expediente parlamentar), um pouco como o equipamento dos jogadores de futebol.
Olá Miguel!
Grande discussão para aqui vai.
Se por um lado, destrinçar a "publicidade" da "não-publicidade" é difícil, pois ela também existe no modesto "HOJE HÁ TRIPAS" da tasquinha da esquina ou no toque dos sinos para casórios ou funerais e outros ritos, por outro lado, concordo, que, apesar dos motivos alegados e de um certo esbatimento de purismos ideológicos - o que é outra discussão - acho algo acintoso, para uma sensibilidade dita de esquerda, deparar com publicidade bancária no blogue citado.Por muito descrentes ou pragmáticos que andemos, há realmente coisas que não são miscíveis,sob pena de perderem a identidade.
Abraço
I.
Ainda que a discussão possa continuar, creio que o I. disse tudo. Nomeadamente quando escreve: "uma sensibilidade dita de esquerda".
Hoje, para efeitos do nosso dia-a-dia, ser-se de esquerda é apenas uma visão do mundo - da História e da sociedade - e um modo de estar nele, e o modo de estar nele é uma posição moral, muito mais do que um projecto político e social exequível a curto prazo (histórico). De resto, esse projecto exequível não existe. Digo estas "la palissadas" para se entender melhor o pouco que adiante disser.
Dessa impossibilidade até ao pragmatismo de se dar bem com Deus e com o Diabo é, para muitos, um saltinho de pulga, e de tantos sabemos. O DO será só mais um. Deus à esquerda, Diabo à direita, em termos de template, e também um em cada mão.
Dar uma surra ao traidor do "partido" por causa do tacho e, em sua própria casa, aceitar a coabitação dessa surra com a publicidade à usura e poder dos bancos coloca o DO na mesmíssima posição do autarca zurzido.
E pronto, com os excelentes depoimentos da I. e do ND fica encerrada, e da melhor maneira, esta sessão. Tem muita razão a I. quando diz que é difícil distinguir a publicidade da não-publicidade, pois há sempre um elemento publicitário em tudo o que dizemos ou fazemos (mas isto levar-nos-ia a outra conversa); e tem muita razão o Nd quando diz que a esquerda é um lugar moral, ou não é nada.
Obrigado a todos.
Em resumo e como diria Gordon Gekko:
"GREED IS GOOD. GREED WORKS."
Lá se foi a autoproclamada superioridade moral da esquerda. Se é que ela já não tinha ido há muito. Ou se calhar nunca existiu.
Mas essa é outra conversa...
Meu caro, sabes tão bem como eu que a ganância é o ópio dos pobres de espírito. E se funciona, é à maneira de um terramoto.
Quanto à superioridade moral da esquerda, ela continuará enquanto a direita continuar a defender (como os meninos da Juventude Popular) coisas como a abolição do salário mínimo, com a justificação de que a existência de um SM constitui um obstáculo à "liberdade" de trabalhar por menos...
Enviar um comentário