29.9.07

Martin Opitz

EPITÁFIO DE UM CÃO


Aos ladrões eu ladrava, calava-me aos amantes,
E assim servia dono e dona, em duas frentes.


(Tradução de J. Barrento)

23.9.07

Brassens - Supplique pour être enterré dans une plage de Sète...

La Camarde qui ne m'a jamais pardonné,
D'avoir semé des fleurs dans les trous de son nez,
Me poursuit d'un zèle imbécile.
Alors cerné de près par les enterrements,
J'ai cru bon de remettre à jour mon testament,
De me payer un codicille.

Trempe dans l'encre bleue du Golfe du Lion,
Trempe, trempe ta plume, ô mon vieux tabellion,
Et de ta plus belle écriture,
Note ce qu'il faudra qu'il advint de mon corps,
Lorsque mon âme et lui ne seront plus d'accord,
Que sur un seul point : la rupture.

Quand mon âme aura pris son vol à l'horizon,
Vers celle de Gavroche et de Mimi Pinson,
Celles des titis, des grisettes.
Que vers le sol natal mon corps soit ramené,
Dans un sleeping du Paris-Méditerranée,
Terminus en gare de Sète.

Mon caveau de famille, hélas ! n'est pas tout neuf,
Vulgairement parlant, il est plein comme un œuf,
Et d'ici que quelqu'un n'en sorte,
Il risque de se faire tard et je ne peux,
Dire à ces braves gens : poussez-vous donc un peu,
Place aux jeunes en quelque sorte.

Juste au bord de la mer à deux pas des flots bleus,
Creusez si c'est possible un petit trou moelleux,
Une bonne petite niche.
Auprès de mes amis d'enfance, les dauphins,
Le long de cette grève où le sable est si fin,
Sur la plage de la corniche.

C'est une plage où même à ses moments furieux,
Neptune ne se prend jamais trop au sérieux,
Où quand un bateau fait naufrage,
Le capitaine crie : "Je suis le maître à bord !
Sauve qui peut, le vin et le pastis d'abord,
Chacun sa bonbonne et courage".

Et c'est là que jadis à quinze ans révolus,
A l'âge où s'amuser tout seul ne suffit plus,
Je connu la prime amourette.
Auprès d'une sirène, une femme-poisson,
Je reçu de l'amour la première leçon,
Avalai la première arête.

Déférence gardée envers Paul Valéry,
Moi l'humble troubadour sur lui je renchéris,
Le bon maître me le pardonne.
Et qu'au moins si ses vers valent mieux que les miens,
Mon cimetière soit plus marin que le sien,
Et n'en déplaise aux autochtones.

Cette tombe en sandwich entre le ciel et l'eau,
Ne donnera pas une ombre triste au tableau,
Mais un charme indéfinissable.
Les baigneuses s'en serviront de paravent,
Pour changer de tenue et les petits enfants,
Diront : chouette, un château de sable !

Est-ce trop demander : sur mon petit lopin,
Planter, je vous en prie une espèce de pin,
Pin parasol de préférence.
Qui saura prémunir contre l'insolation,
Les bons amis venus faire sur ma concession,
D'affectueuses révérences.

Tantôt venant d'Espagne et tantôt d'Italie,
Tous chargés de parfums, de musiques jolies,
Le Mistral et la Tramontane,
Sur mon dernier sommeil verseront les échos,
De villanelle, un jour, un jour de fandango,
De tarentelle, de sardane.

Et quand prenant ma butte en guise d'oreiller,
Une ondine viendra gentiment sommeiller,
Avec rien que moins de costume,
J'en demande pardon par avance à Jésus,
Si l'ombre de sa croix s'y couche un peu dessus,
Pour un petit bonheur posthume.

Pauvres rois pharaons, pauvre Napoléon,
Pauvres grands disparus gisant au Panthéon,
Pauvres cendres de conséquence,
Vous envierez un peu l'éternel estivant,
Qui fait du pédalo sur la vague en rêvant,
Qui passe sa mort en vacances.

Vous envierez un peu l'éternel estivant,
Qui fait du pédalo sur la plage en rêvant,
Qui passe sa mort en vacances,

The Chameleons - Monkeyland

Felt - All the People I Like Are Those That Are Dead

22.9.07

Leonard Cohen - The Stranger

Programa Morra de Bem com a Família

"O ministro da Solidariedade Social, Vieira da Silva, participou na quinta-feira, em Braga, na entrega dos primeiros telemóveis a idosos, no âmbito do programa Iniciativa de Segurança Idade Maior." Público, 22 de Setembro 07


A partir de agora os idosos portugueses têm a oportunidade de dizerem um último olá aos seus familiares antes de morrerem no conforto do lar, da rua, da horta. Sentindo aproximar-se um ataque fulminante, uma dor suspeita e generalizada, uma tontura inusual, o idoso português poderá agora sacar expeditamente do seu telemóvel e despedir-se convenientemente do sobrinho na França, do filho no Algarve, dos netos na capital. Agora já não há desculpa para uma morte anónima e solitária, que era, nas palavras do ministro, "um dos maiores flagelos da nossa sociedade fria e desumanizada". "Na sociedade da informação", acrescentou o ministro, "toda a gente devia ter o direito a uma morte digna e devidamente anunciada".

16.9.07

Holanda, 1883

"Esta multidão tem um caracter sui generis, sem analogia alguma com a do boulevard [...] nem com a de Regent Street ou de Pall Mall. Em Londres e em Paris, assim como em Bruxelas, em Madrid, em Lisboa, a população de cada bairro apresenta uma fisionomia particular, raramente se mistura, nunca se confunde com a população de outro bairro. Em Amsterdão desconhecem-se inteiramente estas gradações. Aqui o povo é um, único, compacto, inteiro, indivisível. [...] Nas demais cidades a população acha-se dividida por categorias, como nos teatros, segundo o preço dos lugares; e o espectador de um lugar de libra não se encontra nunca com o de um lugar de tostão. Amsterdão é como a sala geral, com um preço único para toda a gente. [...]E cada um destes homens, quase todos fortes, espadaúdos, bem mantidos, de cabeça alta, tem a sobranceria de quem passeia sem cerimónia numa casa de que é dono. [...]Toda a gente fala uma com a outra sem formalidades, como se todos se conhecessem. Não há noção alguma daquilo a que se chama o respeito nos países em que cada um se julga um pouco mais ou um pouco menos do que o indivíduo que lhe fica à direita ou que lhe fica à esquerda. [...] E não há um único pobre - particularidade característica de todas as aldeias holandesas. Não há um só pobre, e se ninguém vê um palácio em pompa, ninguém vê tambem uma cabana em ruína. Todo o homem, do primeiro ao último, tem o jaquetão bem forrado, a camisola sem uma malha caída, as meias de lã confortáveis, os tamancos altos, por desgastar, a camisa limpa, a barba feita. [...]A aldeia de Broek é para o asseio o extracto de carne concentrado de que a Holanda é o boi. A virtude nacional da limpeza toma aqui o carácter de epidemia etnológica, de ideia fixa, de vesânia geral Esta gente é possesssa do demónio da esfrega, os convulsionários da escova, limposos até à fúria do esmeril, até o frenesi do polidor, até ao delírio do vasculho. [...] Os escarradores às portas das casas, para que não se sacudam os cachimbos na rua. A proibição de atravessarem a aldeia incontinentes ou verminados, que a cosnpurquem e sevandijem. Os gaiatos retribuídos para soprarem o pó das fendas das calçadas, para apanharem do chão e lançarem ao canal, a uma por uma, as folhas secas que se despeguem das árvores. [...] Por toda a parte o mesmo recolhimento discreto e claustral, o mesmo asseio meticuloso, o mesmo espírito fanático da ordem simétrica, rectilínea, matemática, iniludível. [...] Nas velhas ruas as reedificações constroem-se no antigo estilo da localidade, segundo os modelos que ficaram do século XVI, do século XVII e do século XVIII. Nas ruas novas a moderna arquitectura holandesa campeia em plena liberdade de inovação. [...] Os órfãos asiladas pela cidade e pelas congregações têm a carne alegre da saúde e da abundância. Não saem nunca em fila servil, tristemente arrebanhados como pobres animais cativos. Andam à solta nas ruas como cidadãos livres. [...] A cidade julgar-se-ia maculada de uma vergonha pública se alguma das suas orfãs fosse vista com um sapato deformado, com uma touca de véspera, com uma nódoa no vestido, com um surro nas luvas. [...] Na Holanda a liberdade das ideias não se discute como coisa que vem deste ou daquele partido, sendo susceptível de se alargar ou de se restringir segundo o voto de um ou de outro. É uma realidade cósmica, é como um dos elemntos químicos da atmosfera local, existe no ar e no pulmão de cada um. Não se solicita nem se outorga. Respira-se. [...] Um exemplo da firmeza de opinião e da teimosia nacional: Uma noite, à hora de principiarem os espectáculos, encheu-se de passageiros um ómnibus da carreira do Dam para o teatro do Parque. Os homens com os seus binóculos, as senhoras nos seus agasalhos, esperavam que a carrugaem largasse, quando o condutor [...] previne os senhores passageiros de que a companhia resolvera aumentar dez cêntimos de florim ao preço da corrida da noite. Um passageiro toma a aplavra em nome do público, e pergunta como e quando fez a empresa conhecer essa nova disposição. O condutor responde que a empresa não fizera ainda publicar o anúncio, mas que por tal motivo ele prevenia de antemão os senhores passageiros para que houvessem de se apear aqueles que não aceitassem o novo preço. O que falava em nome do público replicou que, não tendo tido publicação solene a resolução tomada pela empresa, o público tinha o direito de não se apear e de ser conduzido pelos preços estabelecidos. O condutor observou que em tais condições não partia. O público insistiu em que não retirava. E, sem mais discussão alguma de parte a parte, ficou o ómnibus parado na praça do Dam com os passageiros dentro, a portinhola aberta, o condutor à espera. Às dez horas da noite o cocheiro desengatou os cavalos e foi com eles para casa. Às dez e meia o público apeou e foi-se deitar."

Ramalho Ortigão, A Holanda.

11.9.07

Jürgen Theobaldy

Socialismo em Cannes

"M., estrela de filmes de intervenção política, foi
o único que, durante o festival de cinema,
entrou no casino sem o laço do smoking.
M., que "não suporta estas coisas nem à lei da bala",
trazia um lenço vermelho vivo por baixo
dos três botões abertos da camisa branca.

Alguns jovens trabalhadores, que achavam
os seus três últimos filmes belos e úteis,
gostariam de ter falado com ele, mas
não puderam entrar. Não é que não estivessem
dispostos a pôr um laço, só que
depois ainda lhes faltava o smoking."


(Tradução de João Barrento)

Pura Beleza Formal

"No ano de 1474, que foi por toda a cristandade tão abundante em mercês divinas, reinando em Castela el-rei Henrique IV, veio habitar na cidade de Segóvia, onde herdara moradias e uma horta, um cavaleiro moço, de muito limpa linhagem e gentil parecer, que se chamava D. Rui de Cardenas."

Eça de Queirós, "O Defunto"

9.9.07

Jacques Brel - Jaurès

Ils étaient usés à quinze ans
Ils finissaient en débutant
Les douze mois s'appelaient décembre
Quelle vie ont eu nos grands-parents
Entre l'absinthe et les grand-messes
Ils étaient vieux avant que d'être
Quinze heures par jour le corps en laisse
Laisse au visage un teint de cendre
Oui, notre Monsieur oui notre bon Maître
Pourquoi ont-ils tué Jaurès?
Pourquoi ont-ils tué Jaurès?

On ne peut pas dire qu'ils furent esclaves
De là à dire qu'ils ont vécu
Lorsque l'on part aussi vaincu
C'est dur de sortir de l'enclave
Et pourtant l'espoir fleurissait
Dans les rêves qui montaient aux yeux
Des quelques ceux qui refusaient
De ramper jusqu'à la vieillesse
Oui notre bon Maître oui notre Monsieur
Pourquoi ont-ils tué Jaurès?
Pourquoi ont-ils tué Jaurès?

Si par malheur ils survivaient
C'était pour partir à la guerre
C'était pour finir à la guerre
Aux ordres de quelques sabreurs
Qui exigeaient du bout des lèvres
Qu'ils aillent ouvrir au champ d'horreur
Leurs vingt ans qui n'avaient pu naître
Et ils mouraient à pleine peur
Tout miséreux oui notre bon Maître
Couvert de prêtres oui notre Monsieur

Demandez-vous belle jeunesse
Le temps de l'ombre d'un souvenir
Le temps du souffle d'un soupir
Pourquoi ont-ils tué Jaurès?
Pourquoi ont-ils tué Jaurès?

7.9.07

Pérolas de Filosofia (Política) Popular

"A minha vida não é trabalhar."

(Resposta de um galhardo cidadão dum bairro na periferia de Lisboa, nos saudosos anos 90, à tele-jornalista que o inquiria a respeito da sua actividade profissional.)

3.9.07

Hans-Ulrich Treichel

A MINHA ORDEM


Vou vivendo, os meus
álbuns de fotografias estão
quase cheios, o Estado
que vejo na televisão
é bom para mim
porque eu sou bom
para ele, amnistia
vitalícia que mereço
pela inacção,
tenho as camisas
engomadas, tenho
desejos compatíveis,
respiro, como todos,
tusso, como a maioria,
agora que é Outono
as folhas caem,
e penso: com razão.

(Tradução de João Barrento)