25.6.07

A "democracia" à maneira liberal # 3

João P. Coutinho, relações públicas e intelectual-modelo do Kapintern disse esta semana no semanário Pravda, perdão Expresso, que “existe no princípio hereditário uma vantagem sobre os regimes republicanos: quem não depende da vontade popular, pode pensar por cabeça própria”, ilustrando assim, com gracioso angelismo, aquilo que os seus chefes entendem por democracia: um sistema político no qual o povo, isto é, a maioria, deve decidir o menos possível, deve interferir o menos possível nos despachos políticos e económicos que afectam a sua vida.
Alegadamente, no razoar destes defensores do status quo, o espaço político deve ser monopolizado pelas elites económicas e seus representantes porque o povo, naturalmente inferior, carece de capacidade intelectual para compreender os seus verdadeiros interesses; é como uma criança, o povo, à qual seria inútil (e até cruel) solicitar a participação em decisões “técnicas” tão complexas como as que determinam a economia do mundo moderno. Tem lá cabeça para tais subtilezas, o povo. Não tem nem nunca terá, dizem os guardiães da verdade, fundando nessa crença estratégica (e oh tão conveniente) a inevitabilidade de uma sociedade de castas.

Mas essa doutrina da fatal menoridade racional do povo (puro feixe de emoções desgovernadas, como nos explicam todos os maquiaveles) é tão científica como a que durante milénios “legitimou” a submissão política das mulheres, dos servos, dos escravos, dos primitivos, dos colonizados. Aquilo, enfim, a que outro guarda-portão chamava o fardo ai do homem branco.
Na verdade, o que essa teoria esconde é o receio, por parte da oligarquia económica, de que se o povo for chamado a decidir na coisa pública tenda a fazê-lo, egoisticamente, em função dos seus próprios interesses, em vez dos interesses (superiores, naturalmente) da dita oligarquia. O que seria muito de lamentar.
Democracia sim, portanto, mas só de quatro em quatro anos, e com o leque de opções reduzido ao Mesmo. Liberdade sim, mas só a de assentir ou, vá lá, a de se queixar (mas baixinho). Doutro modo, como muito bem sugere o amestrado Coutinho, antes devolver todo o poder a uma só cabecinha, à boa maneira do absolutismo monárquico ou estalinista. Tudo menos consentir que a “vontade popular” influencie as decisões que interessam à minoria.

E se algo orienta, enfim, a faina filodóxica destes ideólogos é a certeza de que sem príncipe não há Maquiavel, sem Estaline não há datchas nem medalhas pró Jdanov do momento, sem bons serviços lá se vão os bons almoços. Ao defenderem o governo dos poucos sobre os muitos, os Coutinhos limitam-se a defender as suas coutadas; e com tão minguada arte (pois são bem menos cultos e inteligentes do que julgam) que um espirro bastaria para derrubar o minarete de papelão conceptual donde clamam ao rebanho.
Mas essa eventualidade, claro, não os preocupa, pois sabem que numa democracia deficitária como a nossa o Púlpito faz a Opinião, a repetição faz a verdade, e a credibilidade de uma teoria nunca depende da sua adequação aos factos, mas apenas da adequação ao interesse de quem a paga, ou seja, os donos do Púlpito.

8 comentários:

joãoB disse...

miguel,
se queres mesmo perder o teu tempo sabe que ele cada 2 semanas sai-se com uma linda assim. e nunca lhe tinha visto ningem tecer um so comentario, é impressionante.
boa gaijo, bem dado.
abraço,
joão

antónio davage disse...

'Tudo que eu disser três vezes é verdade' - era mais ou menos assim, não era?

JMS disse...

Olá João. A cada duas semanas? Pensei que fosse semanalmente...Abraço.

JMS disse...

António Davage, a citação não me é estranha. Mas de repente não a estou a situar. Deixe-me atirar um pouco ao calhas: "Alice no País das Maravilhas". Acertei?

Anónimo disse...

Como não?
António

Anónimo disse...

... mas do outro lado.
antónio

antónio davage disse...

...mais para os lados de
The Hunting of the Snark

Cadáver Morto disse...

O JPC é um pândego...