20.4.07

(Virginia Tech)

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A TORRE E A METRALHADORA OU FREUD NA PRÁTICA



Era um bom menino.
Um típico virtuoso bom menino.
Desde criança, a mãe
não o tocava para não
criar-lhe complexos de
Édipo. O pai não o tocava,
para que ele não fosse
um dia homossexual.
Os amigos na escola
não o tocavam, nem
ele a eles, para que
ninguém, ou eles mesmos,
pensasse que eram
homossexuais. Ele
também não se tocava
para não sujar-de impureza.
Com as namoradas, sem se
tocarem, só a beijos e
"petting to climax" com
o menos possível de mãos
se contentava (em casa
despia depois as cuecas nas pontas dos dedos,
e tomava duche, sem se tocar) .
Teve muitas. Um dia
comprou uma pistola metralhadora
cujo longo cano engrossava na ponta,
subiu à torre (cuja cúpula à noite
se iluminava de vermelho)
da universidade aonde
era um dos alunos mais correctos, e
ejaculou balas sucessivas,
matando sete pessoas de ambos os sexos, e ferindo trinta.
Foi preciso a polícia
abatê-lo à queima-roupa.
(Como tinha apenas dezanove anos,
pode dizer-se que acertou as contas, descontando as
poluções nocturnas
que tanto o envergonhavam).
E na verdade jamais
tocou em alguém
nem ninguém a ele. Pois que,
sendo evidente a causa da morte,
não houve que fazer-lhe autópsia.
Apenas o cangalheiro que o lavou e penteou,
e que nem sequer lhe cuidou das partes baixas,
para dar um pouco de vida à expressão exangue,
lhe pôs uma corzinha de rouge nas faces
e a bâton lhe avivou os lábios.

Jorge de Sena, in Sequências.

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