8.2.08

E pronto, era só isto. Adeus e obrigado.

Providência Rodoviária

O herói, o visionário ou o líder carismático é aquele que aparenta saber o que quer e como lá chegar. Os lentos, os confusos, os inertes vão atrás.
Se não se dispusessem desde logo a ir atrás, poderiam talvez arranjar forças para deixarem de ser seguidores e começarem a decidir em comum o quê, o como e o para onde.
Mas é mais cómodo e mais “seguro” ir atrás, como as crianças nos automóveis.
E os condutores de homens – de Hitler a Lenine, de Napoleão a Churchill ou Amenófis IV – todos concordam num ponto: “Comigo, as crianças vão sempre atrás”.

6.2.08

A produtividade humana é sagrada

“Um trabalhador que esteja cansado física ou psicologicamente – porque está mais velho, porque tem problemas familiares, porque trabalhar naquela empresa não era exactamente o que pretendia ou porque se desinteressou do trabalho – deve poder ser despedido por justa causa”, defendeu em conversa com o Correio da Manhã Gregório Rocha Novo, membro da direcção da CIP." (Via Zero de Conduta)

Sim, todos concordamos, é pacífico, deve ser despedido. Mas vamos ficar por aí? Porque, no fim de contas, que rendimento se extrai dum desempregado? Nenhum. E é admissível uma unidade produtiva parada, sem rendimento? Não é. Se não produz, meu deus, mais vale abatê-lo, com a dupla vantagem de se lhe acabar com o sofrimento e extrair o que de mais-valias guarda ainda o seu cadáver: órgãos para transplantes, gordura para sabões, cabelo para perucas, ossos para rações de gado, pele para delicadas luvas ou carteiras, etc., etc.
Era o que faltava, permitirmos que os nossos esforços de criação de riqueza fossem sabotados por gente desinteressada, inadaptada ou doentinha.

Quem tem dúvidas passa mal

"Do ponto de vista moral não tive dúvidas em aceitar o convite para trabalhar na Lusoponte".
Ferreira do Amaral, "Diário Económico", 06-02-2008

Feliz aniversário, Sr. Padre

"«Não são só ladrões, diz S. Basílio Magno, os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e as legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos.» Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos; os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam. Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar:- Lá vão os ladrões grandes enforcar os pequenos! - Ditosa Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as outtras nações, se não padecera nelas a justiça as mesmas afrontas. Quantas vezes se viu em Roma ir a enforcar um ladrão por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul ou ditador por ter roubado uma província! E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes?"

Padre António Vieira, Sermão do Bom Ladrão, 1655

2.2.08

Fidalguia e Aristocracia

É encantador ver o país mediático tomado de compunção snobe e parola pelo que há cem anos dois idealistas republicanos fizeram a um representante da nobreza tuga. Amontoam-se laudas – sob a forma de comentários, reportagens, artigos, biografias – ao régulo Carlos I (porque não se pode chamar rei ao monarca duma “piolheira”, como o próprio se referia à sua propriedade), & descobrem-se-lhe talentos de pintor e de oceanógrafo para ocultar o desastre do seu desempenho político, só faltando mesmo que o crismem de pai extremoso ou marido poupadinho e exemplar, para que a figura do régio velejador se ajustasse bem ao compêndio das virtudes burguesas.
O fascínio pequeno-burguês que estes consumidores de Holas nutrem pelo beau monde da fidalguia traduz, mais do que tudo, o seu amor servil pelas hierarquias e pela autoridade. O sonho do pequeno-burguês típico era ascender ao privilégio de descalçar as botas ao Senhor D. Carlos. Um sonho de lacaios, evidentemente.

Uma coisa que estas viúvas de Carlos I não sabem é que nobre, ou fidalgo, não é o mesmo que aristocrata. A aristocracia é uma qualidade de certos espíritos e pode-se resumir a isto: o desprezo pelas convenções sociais e pelas opiniões (estéticas, políticas, morais) do vulgo ou do rebanho intelectual. Não há ninguém menos preocupado com o que se possa pensar a seu respeito do que um aristocrata; tal como não há ninguém que mais valorize a opinião e o respeito dos outros do que um burguês.
Assim, a aristocracia não tem nada a ver com ser filho d’algo (ou fidalgo), mas tem tudo a ver com não ser filho de ninguém, isto é, não reconhecer a superioridade ou a autoridade de seja quem for sobre o seu espírito e a sua vida. Tem a ver com a liberdade de ser e estar sem recear a censura dos fiscais do comportamernto alheio. Neste sentido, existe mais espírito aristocrático num biscateiro orgulhoso, que prefira trabalhar quatro tardes por semana a submeter-se às rotinas dum trabalho assalariado, do que em qualquer cortesão de Luís XIV obcecado com o prestígio da sua Casa e do seu Nome.

1.2.08

Curiosidades da República Portuguesa

Tantos-topónimos-tantos com os nomes de D. Carlos e Luís Filipe;
e nenhum-topónimo-nenhum com os nomes de Manuel Buíça e Alfredo Luis da Costa.

E porque as datas são para se comemorar




A MANUEL BUÍÇA
E ALFREDO COSTA,

A PÁTRIA AGRADECIDA

29.1.08

Vítor Nogueira

COMÉRCIO TRADICIONAL

Chapéu

A mensagem é subtil:
se não trouxesse as mãos ocupadas,
tiraria o chapéu ao entrar na loja.
Por conseguinte, aceita ajuda com
as compras (cuidado com o saco,
os ovos estão no fundo).

Como sempre, procura
uma marca barata. A vida é assim,
às vezes temos sorte e conseguimos
o que queremos. Ou então,
ao contrário do que dizem,
o comércio tradicional é uma mina,
para quem souber onde escavar.

Enfim, pessoas com quem nunca tivemos
uma conversa séria. E, no entanto,
parecendo que não, fazemos coisas
uns pelos outros que dificlmente
poderiam ser postas num contrato.
Estará nisto a nossa sobrevivência,
ainda que sem perdão?

Dessa complexidade não queremos falar.
A manhã inclina-se sobre a hora
do almoço. Temos todos de ir para casa,
é tão simples como isso. Amigos,
os vossos casacos. Hoje o vento está áspero,
mas já enfrentámos pior.

In Telhados de Vidro nº9, Novembro de 2007

28.1.08

Correndo o risco de me repetir,

esta gente é patética, daninha, ridícula e sinistra. Quatro papagaios amestrados não teriam produzido comentários mais harmónicos. Cada um mais entalado do que o outro. Que falta nos faz uma operação "mãos limpas", ou assim.

27.1.08

Descontinuando

A latosa destes gajos é já tão desenfreada, que uma pessoa dá por si a assistir em directo (ontem à noite) ao espectáculo do ministro Campos a explicar à atarantada jornalista-SIC qual a metodologia que a menina devia seguir para que o governo e o Serviço Nacional de Saúde não ficassem noticiosamente mal vistos. Que não devia, por exemplo, concentrar-se tanto nos aspectos menos bons do SNS, apostar antes nos que correm bem. Ou seja: prestar menos atenção ao facto de pessoas desabarem de macas, esperarem quatro e seis horas para serem atendidas, nascerem e morrerem ao calhas, etc., e em vez disso insistir na ideia (factual, sem dúvida) de que a maioria dos utentes sai sã e salva dos hospitais públicos...

Mas será que nunca ninguém explicou a estes próceres da política rasca, saídos sabe-se lá de que furnas empresariais, que a função do jornalista é precisamente divulgar o que correu mal, já que aquilo que corre bem é, em termos noticiosos, um não-acontecimento? E, de caminho, não haverá nenhum designer de comunicação que faça ver ao homenzinho da Saúde que a utilização do verbo "descontinuar" pelo verbo "encerrar" é uma das definições nucleares do substantivo "idiota"?

Temos assim um ministro que defende o modelo de jornalismo norte-coreano, um jornalismo de apoio ao desempenho governativo. Pode-se dizer que já não nos falta tudo para voltarmos ao 24 de Abril de 74. Mas o que vale a esta choça de carteiristas políticos é que os portugueses são por educação e temperamento servilmente apáticos e muito respeitadores das hierarquias, nutrindo especial carinho por figuras paternais e autoritárias, que os saibam tranquilizar com palavras firmes e meigas.



(Na foto, o Ex.mo Sr. Dr. Ministro Campos preparando uma alocução à Valorosa Classe Jornalística, no âmbito das Comemorações do Dia Nacional da Informação Fidedigna e Construtiva)

25.1.08

Anúncios Pessoais

Bolso furado
procura moeda
que possa guardar.

*

Noite escura
procura janela
iluminada.

*

Pião preguiçoso
procura baraço
que o faça girar.

*

Violino feliz
procura ombro
onde chorar.

*

Pá de coveiro
procura colocação
em panificadora.

(1995)

24.1.08

É que sai direitinho

Há dias em que tudo corre bem e até a tipografia ajuda à rectificação do mundo. Se não, veja-se como o primeiro caderno de As Chamas e as Almas se dispõe amavelmente, com dois cortes limpos e subtis, a remover-nos da vista o prefácio de Inês Pedrosa, deixando-nos exactamente onde queríamos: a primeira página de Crónicas do Cruzado Osb. Com essa sapiência tipográfica, não se desfiguram os livros com rasgões abrutalhados e fácil se torna a reciclagem do papel. O meu bem-haja à sábia mão que compõe na Tipografia Guerra, de Viseu.

Agustina põe e dispõe # 2

"Esse laço de família, próxima ou remota, dava ao Norte uma identidade entre conservadora e rebelde, porque é entre os que bem se conhecem que muito se intriga. Os costumes eram, ao mesmo tempo, licenciosos e discretos; de lei severa, e prática condescendente. Isto, com a paisagem frondosa e soalheira, proporcionava uma vida sem drama; havendo fantasia quotidiana, faltava a imaginação de longo alcance. As pessoas coabitavam com o seu gado, os seus inimigos e os seus credores, com uma multiplicidade de sentimentos que ora estancava a tragédia, ora transformava a lealdade em pequenos delitos que iam dar azo a novas alianças. Povo inseguro nas paixões e por elas desgovernado, tinha porém o palpite da mediocridade para se defender dos extremos."

Paixão e Glória

Agustina põe e dispõe # 1

"- Já a vossa mãe se aborrecia comigo. Acho que sempre fui colonizado pelas mulheres, à maneira portuguesa. Descobrem-me e depois abandonam-me - dizia. Tinha por hábito confessar coisas um pouco insólitas - o que o fazia parecer inteligente. Escrevera um livro de mineralogia, atribuía ao subsolo da regiao riquezas prodigiosas - ouro, cobre, urânio. Sem que compreendessem nada, isto alimentava a fantasia das pessoas, que se tradzuia em gratidão. "Um dia vamos todos ficar ricos" -pensavam."

Crónicas do Cruzado Osb.

23.1.08

Lapidário # 8

"Mas, então, este mundo foi criado para que fim?", perguntou Cândido.
"Para nos irritar", respondeu Martin.

Voltaire, Cândido.

22.1.08

"Não há dinheiro para os salários?"

"Segundo o FMI, nos países membros do G7, a parte dos salários no PIB diminuiu 5,8% entre 1983 e 2006. Segundo a Comissão Europeia, na UE a parte dos salários diminuiu 8,6%; em França, baixou 9,3%.
Devido ao gigantismo dos montantes em causa, estes 9,3% deveriam estar no centro do debate, podendo basear-se nesta cifra toda a contestação às "necessárias reformas em curso" (regimes especiais, aposentações, segurança social e também o poder de compra). Mas é o contrário que se passa: esta cifra vê-se por assim dizer eliminada da esfera pública, não aparece nos media e os responsáveis políticos mal a mencionam.
Podemos avaliar o que significa esta transferência de riqueza tendo em conta que o PIB da França corresponde a cerca de 1,8 biliões de euros. "Temos portanto, grosso modo, 120 a 170 mil milhões de euros que fugiram do trabalho para o capital" [...] Ou seja, um montante que corresponde a mais de dez vezes o défice da Segurança Social (12 mil milhões) e a vinte vezes o das aposentações (5 mil milhões). Estes últimos "buracos" financeiros são amplamente mediatizados, mas alude-se menos ao buraco, muitíssimo mais profundo, escavado pelos accionistas no bolso dos assalariados."
François Ruffin, Le Monde Diplomatique, Jan.08

O capitalismo para o povo, o povo para o capitalismo.

Uma massa de egoístas idiotas, esfalfando-se aos pulinhos, hierarca, num recreio prisional, em concorridos círculos, sem jamais se aperceber de que viver e perder tempo não é bem a mesma coisa, que lucrar não é vencer, nem vencer acumular.



E quem não chega a perceber os mecanismos que o movem, como pode dar-se conta de que nada o subordina ao roda-pé duma existência servil?