15.11.07

Um país de prosadores

Portugal, um país de poetas, repete-se mecanicamente, depois de se ter auscultado a história da literatura portuguesa. Não deixa de haver alguma verdade nisso, se pensarmos que Camões, Cesário, Pessanha, Pessoa, Sena, Herberto, J. M. Magalhães, etc. não têm equivalente no campo da prosa (apesar de António Vieira, Camilo, Eça, Brandão, Agustina…) e que alguma da melhor ficção nacional até foi escrita por poetas.
Mas a julgar pela blogosfera, que é hoje um verdadeiro laboratório de escrita, o panorama parece estar a mudar. Se a blogosfera não me revelou (até hoje) nenhum poeta interessante, o mesmo não se pode dizer da prosa. Não é preciso ser um rato de blogosfera (eu, que só visito regularmente uns dez blogues, estou muito longe disso) para perceber que há imensa gente anónima a escrever bem, e quando digo escrever bem não estou a falar de correcção gramatical, nem sequer de elegância; mas sim de uma prosa tensa, espirituosa, inventiva. Visitando alguns blogues, fica-se com a sensação de que a melhor prosa portuguesa actual não está nas livrarias (sob a forma de livro ou revista) mas on-line. Claro que a boa prosa não basta para fazer um escritor interessante (a menos que o leitor se satisfaça plenamente com autocomplacências estilísticas à la Henry James); é também importante ter alguma coisa para dizer. Infelizmente, muitos desses talentosos prosadores da blogosfera (quase todos no campo político da direita, curiosamente) perdem-se bastante em chalaças inócuas ou em meditações parvas sobre o penteado do actor X, por exemplo, receando talvez passar por enfadonhos ou desagradáveis. (E no entanto, haverá coisa mais prejudicial para um candidato a escritor do que o receio de desagradar?) Com isso, a superficialidade acaba por dominar e empestar tudo, tornando inofensiva a inteligência (que é tanto mais interessante, penso, quanto mais destabilizadora). Claro que a ligeireza decorativa, o witticism desta espécie de andróginos de salão (para tomar de empréstimo a terminologia de C. Paglia) tem o seu encanto e chega a ser irresistível; e também não se pode dizer que traga mal ao mundo o facto de alguém preferir escrever sobre a realidade tal como lhe chega filtrada pelas revistas e jornais de doçaria (que são quase todos, como sabem). Mas às vezes sente-se a falta (ou eu pelo menos sinto) de uma certa gravidade, ou de um confronto com realidades menos açucaradas. No fim de contas, o século XVIII ficou famoso pelos seus salões, mas não foi desse espaço lúdico e glamoroso que saíram os grandes espíritos que incendiariam a imaginação da Europa.
Mas o dado importante, e que gostaria de sublinhar, é que existe mais talento literário em Portugal do que poderia supor quem só folheia montras de livraria. Uma constatação, já agora, que reforça a minha convicção (intrinsecamente política) de que o talento (e mormente o bom-senso) está mais bem distribuído do que à direita se quer acreditar. (As ilações políticas desta afirmação são demasiado óbvias, e os meus leitores demasiado inteligentes (como não?), para que valha a pena perder tempo a explicá-las.) Resta acrescentar que essa minha convicção foi de certo modo “confirmada” por uma história lida num blogue, com a qual iniciarei uma nova rubrica, denominada “Posts Que Fazem Inveja” (ver post seguinte).
Quanto à poesia, e só para concluir, não se percebe se ainda interessa a alguém com menos de 35 anos. A avaliar pelo deserto, blogosférico e editorial, dir-se-ia que não; que são cada vez menos os candidatos a poetas, e cada vez mais insulsos. É caso para perguntar se daqui a 20 anos não se aplicará ao remanescente dos leitores de poesia a mesma incredulidade com que hoje ouvimos falar de extravagâncias ultra-minoritárias como o train spotting, a necrofilia ou o coleccionismo de polainas. Quem sabe?
Mas também não se perderá grande coisa. Ou perderá?

1 comentário:

Isabela Figueiredo disse...

Eu tenho a ideia que existem bons poetas e poetisas. (Nunca chamo "poetas" também às mulheres,por uma questão linguística cuja semântica tem que ser revista, e quero inscrevê-las neste discurso sobre géneros literários - poeta tem feminino, poetisa, e portanto devemos usá-lo sem qualquer conotação negativa).
O que há é pouca poesia publicada. É difícil publicar poesia em Portugal, porque também se vende mal, creio. Depois, o mercado está dominado por um certo lirismo que não me diz grande coisa e que está muito influenciado pelo JMFJ, pelo JMM e Júdice. Cansa-me. Não compreendo aquilo, e eu até costumo compreender.
É verdade que a blogosfera está razoavelmente bem povoada em prosa, e também é verdade que a direita escreve bem. Esta tua crónica é muito interessante, igualmente.
Procura no meu blogue um línque para o Casa de Cacela. É de um fulano que escreve boa poesia no blogue.
Abraço.