Quando a comunidade científica receava que as alterações climáticas por que Portugal passou desde o 25 de Abril pudessem conduzi-lo à extinção, ao reduzir-lhe o habitat a meia dúzia de reservas suburbanas e rurais, eis que das brumas da blogosfera se ergue, tão alarve e cavernícola como sempre, o Grunho Português, em todo o seu esplendor. Mal andámos todos – percebe-se agora – quando em vão o buscávamos a partir dos seus visos identificativos tradicionais – penteado à Futre, mindinho em garra de gato, palito nos dentes, mão viajeira entre bigode e colhoal – sem pensarmos que também o grunho evolui e se refina, se espiritualiza, por assim dizer, e já acede à informática, e já lê não só a Bola mas também a Cigar e a CG e até – pasme-se – Castelo Branco.
É uma descoberta, ou redescoberta, esta, que enche de júbilo toda a comunidade científica. Quando o julgávamos perdido para sempre, eis de volta o nosso querido grunho, tão nacional como a rotunda ou o galo de Barcelos. E maravilhemo-nos com a sua invejável vitalidade e discernimento adaptativo, que lhe permitiu sobreviver através do astucioso processo da camuflagem.
Mas por muito que o grunho se envernize, e viaje, e aprenda a esconder num acesso de tosse o regalado arrotozinho, se lhe aproximamos da boca o grunhómetro detectamos de imediato a subida do nível do azeite. Pois a única maneira de identificar seguramente a presença do grunho actual é através dos ruídos vocais que emite, mais do que pelo comportamento. À primeira vista pode não parecer, mas neste grunho do século XXI está inteirinho o nosso bem conhecido grunho oitocentista: o marialvismo saloio, o arcaísmo intelectual (combinado com o deslumbramento pelas novidades do mundo material – estrangeiras, of course), o reaccionarismo patológico e ultramontano, o humor rústico e excluidor, censor de todas as diferenças, o machismo provinciano, o gregarismo rufião, a sensibilidade saponácea, a autocomplacência calhorda e possidónia, a boçalidade ruidosa.
E não há nada que mais faça subir o azeite no grunhómetro do que o discurso do grunho a respeito de sexo. Pois o grunho é uma criatura a quem a sexualidade dos outros faz comichão. Ele há coisas “que lhe fazem espécie”, que “mexem com ele”, para usar expressões vernaculamente grunhas, e essas coisas são as coisas que ele não compreende. Ora, como o grunho só aceita o que compreende e compreende pouco (porque, por muito que viaje, nunca sai de si), o grunho manifesta-se em todo o seu esplendor sempre que se dispõe a eructar censuras e pilhérias sobre tudo o que é diferente do que lhe ensinaram ou ele aprendeu, na sua pouca escola. E nada incomoda mais o grunho do que o facto de nem toda a gente se comportar como ele. E quando esse comportamento incide sobre sexo, os ruídos emitidos pelo grunho elevam o azeite no grunhómetro a alturas estratosféricas.
Congratulemo-nos, então, por verificarmos vivo o que julgávamos extinto, pois nada enriquece mais o mundo do que a biodiversidade, e por sabermos que a espécie grunhídea conseguiu garantir – por quantas décadas mais? – o seu nicho ecológico na grande cadeia do ser.
11.11.07
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
17 comentários:
Também acho um estilo fácil e falsamente provocador, mas não haverá ali uma distanciação relativamente à sua pessoa, uma auto-ironia que vai destruindo tudo o que afirma? Repare que não conheço antecedentes do homem, nem políticos nem grunhísticos, e só lá cheguei pelo link do Desmancha-Prazeres.
Talvez sim, talvez não, gaf. Eu é que já não tenho paciência para o marialvismo literário destes queques terríveis; tão pobres de espírito que quando se querem armar em inconformistas, o máximo que lhes ocorre é desafiar o políticamente correcto. Devem, coitados, achar isso o cúmulo da ousadia.
também eu pensei o msmo que o gaf da primeira vez que li o post, mas depois pensei que ainda assim era nojento...tens razão e infelizmente há por aí muitos a confirmarem a tya opinião: gente que só se afirma pela nojice
Penso que não têm razões para as vossas criticas. O post surgiu porque a historia aconteceu mesmo, e penso que com um pouco de boa vontade constatarão que tem a sua piada um gajo ver na capa do Público do dia as duas pessoas que estão à nossa frente no barco. O estilo é, de facto, "fácil" (lamento mas não sou escritor, é-me dificil ter um estilo "dificil"), mas nego que seja provocador. Se provocador se refere à utilização sa palavra "paneleiro", a forma com que o fiz deixa claro que apenas estava a incorrer numa brincadeira de criança, repetindo em todas as frases a palavra paneleiro. Muito dificilmente se quer "provocar" seja o que for quando se deixa tão claro que aquilo não passa de um exercicio formal, em misto de adolescencia tardia com pretensões a Quim Barreiros. Nego também, pela mesma razão, a ideia de que estava a "desafiar o politicamente correcto". Concordo que, se assim fosse, seria consequentemente detestável.
Mas vamos ao que interessa: o post do JMS revela uma enorme vontade de conversar; diria antes: de desabafar. Acho soberbo como é que se vê nas linhas que escrevi, mal engenhorocadas e largamente (diria mesmo "unicamente") auto-ironicas, um qualquer preconceito em relação aos homossexuais, do estilo grunho descrito. A dificuldade em distinguir as rejeições que cada um tem por certo tipo de realidades (como, no meu caso, o toque do corpo de um homem com o corpo de outro homem) com a atitude moral e ética para com as pessoas que não partilham esta minha aversão é, talvez, sintomática destes tempos confusos. Mas não sei se é desculpável. O facto é que eu acho-me ridiculo por ter o nojo que tenho ao corpo masculino. Ao contrário dos homossexuais tipicos, eu não sei se nasci assim se não nasci assim, nem me interessa. o que tenho consciencia é que é ridiculo não conseguir olha para dois homens a beijarem-se, e preciso de gozar comigo proprio para me desculpar por ser assim.
O JMS pode ter razão em tudo o que disse, sobre o estilo, a pose, o grunho português. Mas não perceber o ridiculo propositado de, como eu fiz, dizer que nunca falei com um homossexual, é abdicar de utilizar qualquer tipo de inteligencia. Perde o jms, que nunca mais cá ponho os pés.
uma santa noite, meu ganda paneleiro
fernando (maradona)
Disse
"Perde o JMS, que nunca mais cá ponho os pés"
Isto é um bocado convencido. Mas é que eu acho que mesmo que sou uma pessoa extremamente simpática e nada grunha. Um bocado parvo, talvez. Vá lá, liberte-se do azedume.
maradona, escrever difícil é fácil, eu referia-me a «cair na facilidade», mas não sou autoridade em estilo nem quero ser. Quanto ao resto, se «não é provocação» mas tem a forma de provocação, é falsamente provocador. Dá-me razão. Quanto à auto-ironia, foi o que eu vi e disse, e muito me apraz que o confirme.
gaf
"maradona, escrever difícil é fácil, eu referia-me a «cair na facilidade»,"
eu tinha percebido; estava a querer ser engraçadinho, por isso deixei a consideração entre parentesis. prometo que é a ultima vez que o tento neste local.
"Quanto ao resto, se «não é provocação» mas tem a forma de provocação, é falsamente provocador."
isto está no limite da tautologia. não consigo entrar por aqui. mas talvez continue a não concordar. nem estou seguro que compreenda o que seja uma coisa "falsamente provocadora".
Adenda:
sinto-me um pouco ridiculo ao estar aqui a defender-me. afinal aquela merda é um blogue e eu sou eu, um gajo que não sabe a ortografia de metade das palavras que utiliza. mas o post deste jms, por ter aquela ambição provinciana de unir a interpretação sociológica de um grupo (mal inventado, ainda por cima) com uma erudição que, na pratica, desobjectiva os assuntos (há maneira do sec XIX, como bem caricaturado nos romances do eça ou do tolstoy; era tão facil só perguntar se eu tenha alguma coisa contra os paneleiros, e eu esclarecia), teve o mérito de me alertar para o facto de estarmos a completar o circulo: primeiro era o 'politicamente correcto', depois o 'politicamente-incorrecto', agora o 'politicamente correcto anti politicamente incorrecto'. Se esta merda não corrobora Hegel não sei o que é que corroborará hegel.
maradona
Anónimo maradona, não sendo eu habitual frequentador do seu blogue e desconhecendo por isso o seu estilo médio, não estou em condições de avaliar o grau de ironia supostamente implícito no seu post. O que me parece indesmentível e altamente reprovável, não é tanto o tom rasca, truculento e insultuoso (contra esses estilo não tenho absolutamente nada), mas o alarde homofóbico do mesmo. Um alarde tanto mais grave pelo facto de vivermos num país de grunhos, onde ridicularizar os trejeitos dos maricas ainda rende tristes gargalhadas e manifestações de apreço pela finura do nosso humor. Daqui a 50 anos, quando dois gays se puderem beijar no emprego sem provocar mais que indiferença, poderemos todos ridicularizar os exóticos gostos dos gays por homens, como hoje em dia gozamos um colega de trabalho pela derrota do Benfica no fim-de-semana. Até lá, parece-me de muito mau gosto esse tipo de humor baseado na ridicularização das diferenças, demasiado reforçador de preconceitos idiotas.
Se não resistimos a fazer piadas sobre minorias, seria mais interessante (digo eu) rirmo-nos de minorias dominantes (as que detêm o poder político, económico, cultural), em vez de nos rirmos de quem precisa de se esconder para ser aceite como igual. Ou então rirmo-nos de nós próprios, que ainda é o mais saudável e divertido, como o maradona saberá se já experimentou.
Em todo o caso, não achei piada nenhuma ao seu texto (eu que acho piada a quase tudo). É que, ao contrário de si, tenho a sorte de ter amigos gays, e imaginação suficiente para adivinhar a incomodidade e o sofrimento que esse facto, tão anódino e normal, pode ainda provocar nas suas vidas.
Mas pronto, fico feliz por saber que você não tem nada contra os gays, e que apenas acha graça aos seus gostos minoritários. Menos-mal.
"Se não resistimos a fazer piadas sobre minorias, seria mais interessante (digo eu) rirmo-nos de minorias dominantes (as que detêm o poder político, económico, cultural), em vez de nos rirmos de quem precisa de se esconder para ser aceite como igual."
Isto é tudo quanto abomino. Entre os homofóbicos e xenofobos (sentido lato) em geral e este tipo de paternalismo conscencioso, capaz de evitar uma tentativa de piada (falhada ou não, é irrelevante) em nome de uma pretensa ideia de justiça social, penso que os que fazem menos mal às causas e lutas das minorias são os homofóbicos e xenófobos puros, que pelo menos são facilmente desmentidos com argumentos de relativa simplicidade. Quando era miúdo tinha uma condição que também me colocava numa minoria, e se houve, entre os meus conhecimentos, quem mais trabalhou para que eu vivesse agarrado à minha infelicidade e vergonha era, precisamente, quem mais cuidadinho tinha comigo, quem abdicava do caralho de uma tentativa de piada porque eu poderia sofrer. A tacanhez psicólogica (no fundo, a falta de literatura) por trás desta modalidade cristã do ajudar os mais fracos não tem limites na hipocrisia e desinteligência prática. Ninguém nos protege de quem nos quer, à força, proteger. Penso que, no fundo, mais que ser uma opção errada e mesquinha, é um caminho triste e desengenhoso o que está a tentar traçar para os seus amigos homossexuais. deus queira que, no fundo, eles não o respeitem.
maradona (fernando, fernando não é anómnimo)
Não tem nada a ver com paternalismo, Fernando, tem apenas a ver com não fazer humor fácil com alvos fáceis. E é sempre muito fácil ridicularizar minorias. Uma ridicularização que, noutros tempos e contextos históricos, significaria cumplicidade com autos-de-fé. Mas não interessa, cada um escolhe os alvos do seu humor e ainda bem que temos liberdade para disparatar a gosto. Tenho porém a certeza de que o Fernando condenaria um humorista alemão que, em 1933, ridicularizasse os judeus com base nos estereotipos racistas veiculados pela propaganda nazi. Eu acho pouco elegante fazer humor à custa de minorias perseguidas, o Fernando não. Enfim, divergências.
Eu diria mesmo:
Enfim, paneleirices.
Eu no outro dia, em plena plateia do Coliseu, em pleno concerto do Rufus Wainwright, pedi de uma forma mais energética que dois paneleiros que insistiam em ser as duas únicas almas a assistir ao concerto em pé, aos gritos, aos abraços, aos guinchos mesmo, diria, se sentassem. Eu sei que aquele era O momento de libertação, estava a decorrer a saída do armário. Mas escusavam de ser assim tão paneleiros à frente daquela gente toda? Incomodando a própria visualização do concerto? E levando a que fossem obrigados a sair da sala, permitindo que o resto da plateia pudesse assistir ao concerto? Serei grunho por ter achado bem?
Mas os tipos não estavam a ser "paneleiros", estavam apenas a ser idiotas. Certo?
Estavam a ser idiotas na exibição da paneleirice. O meu problema não é com os homossexuais, mas com os paneleiros. Era isso que queria dizer.
Se te queixas por eles te impedirem de ver o espectáculo, tens toda a razão.
Mas se te queixas porque não gostas de ver trejeitos amaricados, estás apenas a ser preconceituoso.
Ou achas que as pessoas te deviam pedir licença para serem como são? Por acaso és árbitro de elegâncias ou fiscal do bom gosto? Não. Portanto, só tens é que desviar os olhos.
Eu queria mesmo era ver o concerto, sentado, no meio de pessoas civilizadas. E sim, considero que comportamentos daqueles (paneleiros, na minha definição) são pouco civilizados, por perturbaram e entrarem pelos olhos adentro de quem está ali à volta. Curiosamente, não reparei em nenhum casal heterossexual com o mesmo tipo de comportanto. Estranho, não?
Nuno
parabéns gaf pelo post. Foste ao cerne do problema. Gostei do que li e vou voltar
Enviar um comentário