29.11.07

Eduardo Galeano

"Noutros tempos, a polícia funcionava ao serviço de um sistema produtivo que precisava de mão-de-obra abundante e dócil. A polícia castigava os sornas e os seus agentes metiam-nos nas fábricas a golpes de baioneta. Assim, a sociedade industrialeuropeia proletarizou os camponeses e pôde impor, nas cidades, a disciplina do trabalho. Como pode impor-se, agora, a disciplina da desocupação? Que técnicas de obediência obrigatória podem funcionar contra as crescentes multidões que não têm emprego nem nunca o terão? Que fazer com os náufragos, uma vez que são tantos, para que os seus bracejos não ponham a balsa a pique? [...]
Em 1997, por cada cem dólares negociados em divisas, apenas dois dólares e meio tiveram alguma coisa a ver com transações de bens e serviços. [...] Em 1995, apenas três das dez maiores fortunas do Japão estavam ligadas à economia real. Os outros sete multimilionários eram grandes especuladores. [...]
O desemprego multiplica a delinquência e os salários humilhantes estimulam-na. Nunca teve tanta actualidade o provérbio que diz: "O esperto vive do tolo e o tolo do trabalho". Em contrapartida já ninguém diz, porque ninguém acreditaria, "trabalha e prosperarás". O direito laboral está a reduzir-se ao direito de trabalhar pelo que quiserem pagar-te e nas condições que te quiserem impor. [...] O desenvolvimento da tecnologia não está a servir para multiplicar o tempo de ócio e os espaços de liberdade, mas está sim a multiplicar a desocupação e a semear o medo. É universal o pânico perante a possibilidade de receber a carta que lamenta comunicar-lhe que nos vemos obrigados a prescindir dos seus serviços devido à nova política de custos, ou devidoà inevitável reestruturação da empresa, ou porque sim, que nenhum eufemismo alivia o fuzilamento. [...] O funcionário ou o operário que tem trabalho deve agradecer o favor que alguma empresa lhe faz, permitindo-lhe perder a alma, dias após dia, carne de rotina, no escritório ou na fábrica. Encontrar trabalho, ou mantê-lo, embora sem férias, nem reforma, nem nada, e apesar de ser a troco de um salário de merda, festeja-se como se fosse um milagre." [...]
A tecnologia, que reduz vertiginosamente o tempo de trabalho necessário para a produção de cada coisa, empobrece e subjuga os trabalhadores em vez de os libertar da necessidade e da servidão; o trabalho deixou de ser imprescindível para a reprodução do dinheiro. São muitos os capitais desviados para investimentos especulativos. Sem transformar a matéria, e sem tocar nela, o dinheiro reproduz-se mais fecundamente a fazer amor consigo prórpio." [...]
Apenas um em cada dez trabalhadores tem o privilégio de um emprego permanente, a tempo inteiro, nas quinhentas empresas americanas de maior dimensão. Em cada dez novos empregos disponibilizados na Grã-Bretanha, nove são precários. A história está a dar um salto de dois séculos, mas para trás: a maioria dos trabalhadores não tem, no mundo actual, estabilidade laboral nem direito a indemnização por despedimento; e a insegurança laboral faz cair os salários. Seis em cada dez norte-americanos recebem salários inferiores aos salários de há um quarto de século, apesar de nestes vinte e cinco anos a economia dos EUA ter crescido 40%:" [...]Os países pobres estão metidos, de alma e copração, no concurso universal do bom comportamento, para ver quem oferece salários mais raquíticos e maior liberdade para envenenar o meio ambiente. Os países competem entre eles para seduzir as grandes empresas multinacionais. As melhores condições para as empresas são as piores condições para o nível dos salários, da segurança no trabalho e da saúde da Terra e das pessoas."

De pernas para o Ar, tradução de Margarita Correia, Ed. Caminho.

1 comentário:

Rui disse...

É muito triste.