16.10.07

A brasilófilos e afins

"PÔXA, A GENTE ASSIM SE SENTE TRISTE"


“Eu tenho 14 anos. Eu vou falar aqui é de uns colegas que morreu. Queria apenas se o matador daqui desse uma chance à gente, que não matava mais ninguém. Eu peço a ele, por favor vocês, deputados, assim governador, eu não sei, ajuda a gente, por favor, porque a gente tá precisando. Eu tinha um colega que ele morreu ali, aqui na praça mesmo, ali, em frente um bar, só por causa duma camisa. O meu colega, ele tava com frio, que é porque a gente dormia na rua. Esses policiais, eles tá ficando ruim com a gente, eles gosta é de bater na gente, torturar a gente. Pôxa, a gente assim se sente triste, pôxa, ninguém faz nada pela gente, algumas pessoas é que ajuda a gente. Os policiais pega a gente à toa aqui, se a gente dormir na praça aqui, eles taca água. Os bandidos próprio eles tá com a polícia. Pôxa, se a gente dormir aqui na praça eles quer matar, as polícias vê e não faz nada, os policiais mesmo ajuda. Agora eu vou falar é de um colega meu, que morreu, tava eu e os colegas meu na praça, sentado, aí de repente veio a polícia, a gente não tava fazendo nada, a gente tava só brincando perto de uma estátua que tem na praça. Aí, pôxa, coitado da gente, a gente não tava fazendo nada, o polícia chegou com a sua patrulha, pegou meu colega, ele tirou o revólver, aí deu um tiro no meu colega à toa. Veja só, à toa! Deu um tiro no meu colega à toa. Aí outro colega meu correu, aí todo o mundo correu. E eu vou falar é de outro colega que morreu. Ele morreu foi na outra praça baleado legal, não teve nem tempo de respirar nem nada. Quando a gente foi ver, ele já estava morto. Aí, quem foi?, quem foi? E os policiais, pôxa desse jeito, é matando a gente, a gente não tá fazendo nada, não tá xingando ninguém, a gente pega assim nos bar é porque a gente tem fome. Aí chegou um cara chamado de matador, mão branca, aí chegou o mão branca. O mão branca começou a matar a gente assim à toa. Pôxa, esse mão branca, eles tinha que dar uma chance prá gente. Meus colegas, eles tá morrendo tudo. Eu já tive preso muitas vezes. Aí os policiais pegava a gente, começava a torturar, aí eles queimava a gente de cigarro, aí é fazer uma porção de coisa, a gente ficar assim de braço para cima, assim tacava água na gente, na mão da gente aí, olha só, dói, fazia a gente comer cocó, comer barata. Pôxa, a gente já sofremos muito, o senhor tem que ver. É que os filhos deles eles não faz isso. Agora, com a gente, eles quer espancar. Aí falam assim, se você falar para o juiz, aí eu vou te matar, aí a gente fica tudo com medo, aí a gente não fala pró juiz. Que é porque eles, se a gente falar pró juiz, aí o juiz vai mandar eles embora. Aí eles tem família, tem isso tem aquilo para criar, né? Aí eles chega prá gente e ameaça a gente. Eu tou na rua que é porque a minha mãe ganha pouco, é não dá, eu tenho é três irmãos, aí não dá pra sustentar a gente. O meu padrasto ganha pouco. A gente é sofrer mesmo, é sofredor. Os policiais às vezes, eles ameaça a gente, eles manda a gente roubar pra eles, se a gente não roubar pra eles eles quer matar a gente, é na madrugada, quer fazer uma porção de coisas com a gente, eles quer é estuprar e gente.”

In Vidas Caídas, José Amaro Dionísio, Antígona, 1993

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