14.10.07

Adeus ao Porto

Ruas sem peões e lojas fechadas; a melhor arquitectura urbana portuguesa reduzida a uma ocupação de rés-do-chão, com uma perspectiva de teias de aranha e vidros sujos à espera do infeliz que se atreva a erguer os olhos para os primeiros, os segundos, os terceiros andares; jardins desmantelados ou entregues à fúria vandalizadora dos excluídos; arruamentos de lixo e entulho; escombros lado a lado com futuros escombros; um quadro humano feito de horrores provincianos, de olhares saloios, de pavorosa torpeza física e mental – aquela que foi em tempos a mais bela (e até a mais dinâmica) cidade portuguesa não passa hoje duma cratera histórica, pungente, calcorreada apenas por curiosos de pedra devoluta, de azulejo partido, de varandins enferrujados. Não resta sequer um café, uma livraria, um jardim onde apeteça estar. Passear hoje no Porto, num sábado à tarde, é descobrir uma cidade em colapso, uma cidade desertada pela peste, um cenário para filmes de temática apocalíptica ou eventos festivaleiros.

Um dia, o Porto servirá como case-study para quem quiser investigar como se destrói uma cidade, uma paisagem, um país. E se não se demorar muito, o investigador poderá encontrar ainda vivos alguns dos principais responsáveis, e colher da boca de Fernando Gomes, Nuno Cardoso e Rui Rio os mais probantes depoimentos. A estes futuros vultos da toponímia portuense, verdadeiros vândalos autárquicos, haveria que pedir contas, se Portugal fosse um país onde tais coisas se peçam. Não interessa. É tarde. E ao Porto (nunca pensei vir a dizer isto) apetece nunca mais voltar.

5 comentários:

Anónimo disse...

Que excelente post! Cada vez que oiço alguém falar do Porto como "uma bonita cidade" faz-me espécie a cegueira selectiva onda "o rei vai nú".

joãoB disse...

ora exactamestes, subscrevo na totalidade, tambem nunca tinha pensado algum dia nao ter nenhuma vontade de voltar ao porto, mas a verdade é que o que resta ja é so um calhau cinzento sem vida.
Ironicamente, e como uma das bandeiras desses senhores foi sempre o enaltecer dum bairrismo estupido, no final "Lisboa ganhou"...

Anónimo disse...

concordo no geral com este post, mas não posso deixar de o achar exagerado. O Porto é o melhor exemplo em Portugal do descaracterizar de uma cidade pela febre imobiliária suburbana e pelo laxismo de autarcas incompetentes (como este que prefere brincar às corridas de carros e a desbaratar a cultura da cidade do que em recuperar a sua essência). Eu próprio sofri na pele com este estado de coisas, quando, depois de 7 anos à espera de licença para reconstruir uma casa no centro histórico, tive de a abandonar para ter onde morar. Mas recuperei outra (sem licença, claro) e como eu muita gente tenta recuperar algumas das ruínas do Porto. A ribeira morreu (ficou um postal em forma de esplanada para turistas) por estratégia concertada da câmara, mas surgiram entretanto novos nichos, com novos bares, livrarias e galerias. Ruas como Miguel Bombarda, Almada, Cândido dos Reis ganham a cada dia um novo dinamismo e cresce a sensação que é possível uma segunda vida para a cidade. Para quem não desistir à primeira...

JMS disse...

Caro anónimo, não nego que haja alguma movimentação na cidade ao nível dos espaços de lazer, mas o Porto precisava de habitanntes, que é o que dá vida a uma cidade; de outro modo, converte-se num museu ou num parque de diversões, onde se vai apenas de visita, um espaço com horário de funcionamento das 08 h às 20h.

Cadáver Morto disse...

Mas aos domingos fecha às 13.00. É por causa dos sindicatos e tal...