14.7.07

É democracia a mais, tia.

A crónica de Vasco Pulido Valente no "Público" de ontem, onde o vemos execrar o "circo" e a "degradação" a que o excesso de candidatos supostamente condena as eleições autárquicas em Lisboa, é bem elucidativa do conceito de democracia que floresce entre a intelectualidade chique. O excesso de escolhas, sugere o cronista, só pode "confundir" o pobre eleitorado, já de si valha-nos deus tão taralhouco. Que não, que deviam ser menos, diz ele, pois a abundância de escolhas só é boa no supermercado; na política, quanto menos se confundir o rebanho eleitoral, melhor. O ideal seria dar-lhe só um candidato, para que não houvesse lugar a conflitos interiores, hesitações, confusões, perplexidades, "desinteresse". Daí que o cronista defenda a necessidade de um "critério editorial" por parte dos meios de comunicação, ou seja, que estes façam uma pré-selecção de candidatos, separem os bons dos maus, e lhes dêem (ou não) tempo de antena em conformidade. Ou seja, o que Valente defende é a censura e a parcialidade da imprensa; acha que cabe a esta fazer uma triagem política, determinar quais os candidatos legítimos e credíveis e quaos os que "estão ali só por causa da publicidade". Não é fácil, contudo, compreender que legitimidade tem a imprensa para decidir quem é ou não credível enquanto candidato, uma vez que não foi mandatada pelo povo para tais pré-selecções nem se lhe reconhece especial acuidade psicológica, moral ou política. Resta dizer que essa triagem que Valente advoga existe já e sempre existiu, lamentavelmente; razão pela qual, de resto, se pode dizer que não há nem nunca houve nenhuma verdadeira democracia. Mas o crónico cronista acha que a malha devia ser ainda mais apertada, para que isto pá não fosse a pouca-vergonha que é.
Deste modo, o seu conceito de democracia é o de uma democracia pré-cozinhada, enlatada e pronta a servir, uma democracia fast-vote & be quiet. E desse enlatado político, quem devem ser os cozinheiros, quem? Pois devem ser as "pessoas que sabem", os ilustres, os iluminados - as vanguardas políticas, enfim, à boa maneira leninista. E esta amostra de leninismo, por parte de um intelectual que sempre clamou a sua oposição ao comunismo, não deixa de ter a sua graça. E além de cómica, ainda nos permite supor duas coisas: a primeira, que a animosidade valentiana pelo comunismo se prendia mais com os fins do mesmo (o socialismo) do que com os meios (leninismo); e a segunda, que o desencanto com a política, de que Valente se faz eco desde o berço, deriva talvez apenas do facto de não haver, nesta porcaria de sistema democrático, um lugar de duce (ou pelo menos de fiscal ideológico) disponível para ele, o único homem capaz de pôr esta merda toda a funcionar como um relóginho suísso.

2 comentários:

Anónimo disse...

O seu texto é, encantador mesmo, para usar uma expressão de tiazuda. Mas numa coisa o Valente tem razão: são candidatos a mais e, digo eu, soluções a menos. A dimensão democrática não sairia diminuida se a Esquerda se unisse em torno de um projecto claro em que todos colaborassem. A cidade (e o país) merece não ser palco de lutas fratricidas, que apostam mais na manutenção das divergências do que em alternativas de eficácia. E depois é o que se sabe: gramamos governações de direita, incompetentes e corruptas.

Cadáver Morto disse...

E isto porque as de esquerda são competentes e incorruptíveis.
Tal e qual como em Salvaterra de Magos não é?