“Porque sei que vou sair daqui uma grande mulher, com uma forte capacidade de liderança.” A frase, colhida em pleno voo, é de fazer parar qualquer um. E foi o que me aconteceu, de telecomando na mão, ontem à noite. A reportagem era, percebi depois, sobre colégios mistos ou sexualmente segregacionistas, suas vantagens e desvantagens (mais um exemplo, enfim, de periodismo idiota, típico de jornalistas que vivem encapsulados num mundo de fantasia). O dito escapava-se da boca de um sirigaita de 16 ou 17 aninhos, muito adubada de auto-confiança, dentro do seu uniforme de elite. E uma pessoa maravilha-se, claro, ao testemunhar a desfaçatez destes fedelhos e fedelhas, tão novinhos e já tão amestrados em conceitos hierárquicos, tão seguros de terem nascido (como não?) para “liderar” os rebanhos humanos. E é nestas situações que uma pessoa, fatalmente, dá em recordar os seus dezassete anos, e o horror que já então sentia pela esqualidez da alternativa mandar/ser mandado, tão galhardamente defendida por esta pequena ralé de elite.
Assim se perpetua, num regime que se diz democrático, o ciclo de dominação/submissão, com as suas desigualdades e as suas hierarquias “naturais”.
Mas é inevitável sentir-se que muito mal alicerçada está uma sociedade na qual uma criatura de 17 anitos pode assumir sem vergonha, com todo o à vontade de um príncipe herdeiro, que uns nasceram para mandar e outros para obedecer. Bem-aventurados os pais e os educadores que tão lepidamente inculcam nos seus pimpolhos esta filosofia da desigualdade natural. Dir-se-ia portanto que a única opção possível, duzentos anos depois de Robespierre, é a escolha entre devorar e ser devorado, pisar ou ser pisado, subir ou ser descido. É óbvio que a missão formadora desses centros de produção de “elites” se resume sobretudo a minar nas jovens crias de tubarão qualquer impulso de generosidade, qualquer ideia de cooperação, de justiça ou de solidariedade. Trata-se, em vez disso, de infundir nos meninos um tipo de competitividade perfeitamente espúria e degradante (porque meramente estatutária, material e conformista), de acordo com um conceito de educação que pouco se distingue do adestramento de cães de fila. Se esse espírito de competição se promovesse em torno de valores éticos, artísticos, científicos, estaríamos a fomentar um modelo de sociedade justa mas também meritocrática, capaz de sintetizar o melhor da cultura ocidental: o ideal auto-nobilitante do ágon grego e a tradição equitativa do humanismo iluminista. Mas não é esse o caso, ou cada vez menos o é, numa época em que a bondade do capitalismo foi já (contra todas as evidências) erguida à condição de dogma pelos papas do economicismo liberal.
E assim, qual o extremoso pai que, sendo estas as escolhas e podendo optar, não prefere enviar o filho para um colégio donde o seu crio saia já devidamente couraçado para as guerras sociais, armado de bastão e chibatinha? Qual o extremoso pai? Ponderoso dilema, sem dúvida. E é por isso que deixo a outros a nobre missão de perpetuar a espécie e o mais.
25.4.07
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2 comentários:
Eles de facto estão produzindo máquinas que depois programam à noite pela TV.
By the way: good to hear from you.
Querem todos ser gestores. No meio disto terá de haver cursos para geridos que não serão grandes mulheres nem homens.
Estão a ser condicionados, claro, eouvem aquela cantiga todos os dias. É o que justifica o dinheiro que pagam para andar ali.
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