"Creio que uma das maiores dificuldades em que se debate a poesia portuguesa contemporânea é a abstracção, o inconcreto, a impossibilidade mental de escrever referencialmente, seja em relação a que for. Quase toda a gente, mesmo dos melhores, viva na aflição e na inibição de não dizer nada claramente, de não mencionar nada concretamente, de não estabelecer conexões racionais e lógicas com experiência alguma - o que nada tem que ver com liberdade de imaginação ou com a experimentação linguística, e é apenas o resultado de décadas de meias palavras cifradas. Também por isso é que se criou a ideia de que poesia é coisa delicada e para delicados, em que parece mal e é mau escrever duramente e directamente, usando de termos "grosseiros" - pelos vistos, a grosseria é privilégio das agressões feitas sob a capa da crítica. Em todos os tempos, a poesia não recuou em chamar as coisas pelos seus nomes, a não ser lá e onde, à semelhança do dito evangélico, os poetas exploram com uma das mãos as saias de Elvira, enquanto com a outra escrevem do amor celeste, sem que uma das mãos saiba poeticamente o que a outra faz."
Jorge de Sena, Exorcismos, 1972.
23.4.07
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